especial para a Folha

"Neve sobre os Cedros" deu azar. Numa época pré-Oscar, os cinemas estão lotados de bons filmes, numa safra excepcionalmente boa. Com obras provocadoras como "Beleza Americana" e "Meninos Não Choram" em cartaz, esse sensível drama sobre a intolerância racial pode até parecer um filme menor, despretensioso, mas só parece.
Baseado no best seller homônimo de David Guterson, "Neve sobre os Cedros" começa com o julgamento de um homem japonês acusado de matar um pescador em 1950, na ilha de São Pedro, no Pacífico. A partir do caso, as histórias de vários personagens na década anterior são contadas em "flashbacks".
Como personagem central, está o jornalista Ishmael Chambers, interpretado por Ethan Hawke, que foi apaixonado por uma colega de escola na adolescência, Hatsue Miyamoto, agora casada com o acusado de assassinato.
Durante a Segunda Guerra Mundial, Chambers viu a família de sua garota ser expulsa da cidade e mandada para os campos de isolamento que surgiram em alguns pontos dos EUA para confinar os imigrantes japoneses.
O roteiro mostra as relações pessoais destruídas pelo ódio racista deflagrado pela guerra, e Chambers terá de enfrentar sentimentos que tentou esconder durante anos. Paixão, revolta, covardia, vergonha. Os fantasmas que atormentam o repórter estão também nas almas dos habitantes do local, cada um com sua cruz para carregar.
O diretor Scott Hicks tinha uma boa história nas mãos, mas não se contentou com isso. Imprimiu à narrativa uma complexa textura de fotografia, que trabalha com cores vivas, cores esmaecidas, preto-e-branco, até filme granulado de 16 mm, e organizou uma edição inteligente, fragmentada, que usa episódios não muito bem explicados para deixar o espectador compor, aos poucos, a trajetória dos personagens.
Seja no desenrolar do romance ceifado pela explosão da guerra ou no desfile de depoimentos que vai mostrando as conexões entre os envolvidos no crime e suas motivações, o filme é envolvente. Um ótimo filme, com fotografia belíssima, boas interpretações (de Ethan Hawke e da novata Youki Kudoh) e uma história contundente, até incômoda. Programa para adultos, para gente que gosta de cinema que faz pensar.
(THALES DE MENEZES)

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