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ANÁLISE
Em tempo de guerra, TV reproduz timidez
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Escrevo no sábado dia 15. A
agitação que tomou conta da
cena internacional nas últimas semanas entrou em uma espécie de
calmaria. Daquelas que precedem
a turbulência.
Estamos todos de vigília. Movimentos pacifistas no mundo inteiro planejam velas e concentrações para o domingo.
Uma visita ao site www.moveon.org sugere a ampla aceitação que a proposição de redução
da violência encontra nas mais diversas partes do planeta.
Um estudante, Eli Pariser, e
uma ONG fundada por profissionais da indústria de informática, a
Move On, se articularam através
da net. A organização pacifista baseada no Sillicon Valley, o instável
berço da indústria de computadores situado em uma falha geológica no sul da Califórnia, propõe, pela via virtual, manifestações presenciais que se realizam
ao redor do globo.
Essa mobilização político-cultural extra partidos políticos ou
associações de classe encontra algum eco, ainda insuficiente, na
mídia televisiva. Os telejornais
brasileiros se posicionaram contra a precipitação norte-americana, mas vão pouco além de uma
impotente postura crítica.
Documentários detidos sobre o
Iraque -com destaque para os
monumentos históricos dos primórdios da civilização, que, ao lado dos poços de petróleo, constituem o patrimônio mais conhecido do país de Saddam Hussein-
foram ao ar. Mas fora dos canais
abertos (por exemplo, na GloboNews e na MTV).
O noticiário sobre manifestações contra a guerra exibe imagens de multidões pacíficas demais para merecer o destaque que
eventos sensacionalistas, muitas
vezes gerados por ataques suicidas, merecem.
Hoje, dia 17, é a data marcada
pelos Estados Unidos para formalizar o início de uma investida militar que, de fato, já começou, como bem frisou Dan Rather, âncora da rede norte-americana CBS,
se referindo a ações dos EUA no
sul do Iraque.
Começou na surdina. A ausência de imagens desses ataques
contribui para fortalecer a versão
de que uma decisão há muito tomada ainda está por vir.
Ao dispensar a ONU, o governo
americano limpou a telinha também de notícias sobre as articulações das lideranças contrárias à
guerra. Vitoriosos, os franceses e
alemães são brindados com uma
perversa invisibilidade, que pode
ser momentânea, a depender de
seu posicionamento futuro.
Acostumada a funcionar como
tribunal que reage a petições, a
Organização das Nações Unidas
silenciou. Vimos a patética retirada da ONU do Iraque. Diante da
ausência de nova proposta de resolução, os telejornais ficaram
com a notícia da reunião hispano-inglesa-americana, fora dos holofotes, em recanto estratégico (terras açorianas, de língua portuguesa, subitamente transformadas
em palco de conselho de guerra).
O contraste entre o chamado independente à manifestação pacífica e descentralizada de cidadãos
cosmopolitas e a monstruosa
ofensiva bélica, centralizada e oficial, é assustador. Nesse quadro, a
televisão ainda reproduz a timidez dos governos e das instituições tradicionais. E os movimentos alternativos ainda carecem de
ações capazes de produzir impressões imagéticas de impacto.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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