UOL


São Paulo, segunda-feira, 17 de março de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Em tempo de guerra, TV reproduz timidez

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

Escrevo no sábado dia 15. A agitação que tomou conta da cena internacional nas últimas semanas entrou em uma espécie de calmaria. Daquelas que precedem a turbulência.
Estamos todos de vigília. Movimentos pacifistas no mundo inteiro planejam velas e concentrações para o domingo.
Uma visita ao site www.moveon.org sugere a ampla aceitação que a proposição de redução da violência encontra nas mais diversas partes do planeta.
Um estudante, Eli Pariser, e uma ONG fundada por profissionais da indústria de informática, a Move On, se articularam através da net. A organização pacifista baseada no Sillicon Valley, o instável berço da indústria de computadores situado em uma falha geológica no sul da Califórnia, propõe, pela via virtual, manifestações presenciais que se realizam ao redor do globo.
Essa mobilização político-cultural extra partidos políticos ou associações de classe encontra algum eco, ainda insuficiente, na mídia televisiva. Os telejornais brasileiros se posicionaram contra a precipitação norte-americana, mas vão pouco além de uma impotente postura crítica.
Documentários detidos sobre o Iraque -com destaque para os monumentos históricos dos primórdios da civilização, que, ao lado dos poços de petróleo, constituem o patrimônio mais conhecido do país de Saddam Hussein- foram ao ar. Mas fora dos canais abertos (por exemplo, na GloboNews e na MTV).
O noticiário sobre manifestações contra a guerra exibe imagens de multidões pacíficas demais para merecer o destaque que eventos sensacionalistas, muitas vezes gerados por ataques suicidas, merecem.
Hoje, dia 17, é a data marcada pelos Estados Unidos para formalizar o início de uma investida militar que, de fato, já começou, como bem frisou Dan Rather, âncora da rede norte-americana CBS, se referindo a ações dos EUA no sul do Iraque.
Começou na surdina. A ausência de imagens desses ataques contribui para fortalecer a versão de que uma decisão há muito tomada ainda está por vir.
Ao dispensar a ONU, o governo americano limpou a telinha também de notícias sobre as articulações das lideranças contrárias à guerra. Vitoriosos, os franceses e alemães são brindados com uma perversa invisibilidade, que pode ser momentânea, a depender de seu posicionamento futuro.
Acostumada a funcionar como tribunal que reage a petições, a Organização das Nações Unidas silenciou. Vimos a patética retirada da ONU do Iraque. Diante da ausência de nova proposta de resolução, os telejornais ficaram com a notícia da reunião hispano-inglesa-americana, fora dos holofotes, em recanto estratégico (terras açorianas, de língua portuguesa, subitamente transformadas em palco de conselho de guerra).
O contraste entre o chamado independente à manifestação pacífica e descentralizada de cidadãos cosmopolitas e a monstruosa ofensiva bélica, centralizada e oficial, é assustador. Nesse quadro, a televisão ainda reproduz a timidez dos governos e das instituições tradicionais. E os movimentos alternativos ainda carecem de ações capazes de produzir impressões imagéticas de impacto.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


Texto Anterior: Evento: Peça de Zeno Wilde ganha leitura na Folha
Próximo Texto: "Hitting the Ground": Gordon Gano faz astros jogarem por música
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.