SÉRGIO RIZZO
especial para a Folha

Já não é mais preciso recorrer à memória ou às fitas velhas gravadas quando a TV Cultura os exibiu por aqui. Os dez episódios do "Decálogo" (88), a obra-prima do polonês Krzysztof Kieslowski (1941-1996) que faz uma releitura moderna dos Dez Mandamentos, foram lançados nos Estados Unidos, em vídeo e DVD.
Atire a primeira pedra quem já assistiu a um trabalho de ficção com tanta beleza, fôlego intelectual e consistência dramática. São 560 minutos que demonstram como o formato da tela pequena não impede a realização de vôos aparentemente exclusivos do cinema.
"Decálogo" foi exibido pela primeira vez no Brasil em 1989, na Mostra Internacional de São Paulo, em inesquecíveis sessões duplas no Museu da Imagem e do Som. A versão para cinema do sexto episódio, "Não Amarás", ganhou na ocasião o prêmio do público. Pelo conjunto da obra, que inclui ainda "Não Matarás", adaptação para tela grande do quinto episódio, Kieslowski recebeu também o prêmio da crítica.
Consagrados em diversos festivais, "Não Amarás" e "Não Matarás" tornaram-se os rebentos mais conhecidos da prole. No primeiro, o carinho impressionante da câmera com os personagens e a maneira afetuosa de investigá-los. No segundo, o modo áspero e incômodo de apresentar mortes e assassinos.
Temos um distante ponto de aproximação com "Não Amarás": é português a língua estrangeira que um jovem (Olaf Lubaszenko) estuda enquanto é tomado por uma paixão obsessiva pela mulher promíscua (Grazyna Szapolowska) que mora no prédio em frente ao seu, no conjunto habitacional de Varsóvia onde vivem quase todos os protagonistas do "Decálogo".
Pela janela, o rapaz espiona a vida da vizinha, mais velha do que ele. Voyeurismo, transferência, fantasia: poucos filmes pisaram nesse terreno com tamanha sutileza. Mas o que está em jogo é o amor, ou aquilo que costuma se confundir com ele, como o desejo. A partir do mandamento que diz "não cometerás adultério", Kieslowski chegou a algo mais sublime - não amarás sem dor.
Ainda que seja difícil eleger entre eles um favorito, é obrigatório reconhecer a importância para toda a série do impacto provocado pelo primeiro episódio, inspirado em "amarás a Deus sobre todas as coisas". Não é o que pensa um professor universitário (Henryk Baranowski) que acredita na infalibilidade dos computadores e, por extensão, das máquinas. Um episódio trágico o levará a questionar suas crenças, ou a falta de. Em resumo, um problema de fé - que, ao contrário do que diz a velha canção, costuma falhar.

Avaliação:    
O quê: The Decalogue (Complete Set), 1988, contendo os dez episódios da série
Direção: Krzysztof Kieslowski
Onde encontrar: www.amazon.com
Quanto: em vídeo, US$ 74,99 (cinco fitas); em DVD, US$ 49,99 (dois discos)