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TEATRO
A alegria de Boal, autobiografada
Divulgação
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O diretor Augusto Boal, criador do Teatro do Oprimido no início da década de 70, que lança sua autobiografia hoje no MAM-SP |
ALVARO MACHADO
especial para a Folha
O teatrólogo carioca Augusto
Boal atendeu à sugestão de sua
editora inglesa. Há três anos, iniciou sua autobiografia, "Hamlet e
o Filho do Padeiro", que a Record,
sua nova editora no Rio de Janeiro, lança primeiro aqui, em bom
português. O Museu de Arte Moderna (MAM), em São Paulo,
abriga hoje noite de autógrafos.
Antes, no mesmo endereço, Boal
conversa com o público no "Encontro com o Autor".
Ao contrário do que se poderia
esperar do criador do Teatro do
Oprimido, o adjetivo "leve" é
quase inevitável para descrever a
principal qualidade de sua escritura. Página após página, o autor
se desoprime e revela a alegria de
viver, chegando a interromper
narrativas de episódios históricos
apenas para intercalar um episódio engraçado.
Ditadura militar, tortura e exílio
deixaram suas marcas, mas hoje
dificilmente Boal poderia reclamar da sorte. As técnicas do Oprimido, que ele começou a criar em
sua temporada forçada no exterior, a partir de 71, constituem
uma das grifes culturais brasileiras de maior sucesso internacional depois da bossa nova.
Completando 70 anos em 2001
com impressionante vitalidade, o
diretor cumpre uma agenda internacional mais agitada que a de
uma "prima donna" de ópera.
O ícone da esquerda brasileira
acaba de retornar de Landskrona,
no sul da Suécia, onde foi assistir a
uma nova edição do Festival Escandinavo do Teatro do Oprimido, que reúne grupos da Suécia
(incluindo as remotas Ilhas Faroë), Noruega, Dinamarca, Finlândia e Islândia. Em 99, o centro parisiense da técnica de Boal
recenseou 70 países praticantes
no mundo, incluindo Burkina
Fasso, Uganda, Quênia e outros
países africanos.
Boal explica que, na Austrália,
Canadá e outras nações desenvolvidas, o ator-espectador trabalha
menos sobre o tema da miséria
material, como no Brasil ou África, e mais sobre racismo, sexismo
ou alienação. Atendendo à demanda de classes tão vastas de
discípulos, as traduções de seus livros para o inglês registram vendas significativas: apenas no ranking da livraria Amazon na Internet, os dez títulos disponíveis do
autor venderam, individualmente, de 38 mil a 100 mil exemplares.
Este ano, entre outros compromissos, Boal vai a Munique (Alemanha) e três vezes para os EUA,
onde dá palestras em diversas
universidades e abre o evento
anual Conferência de Pedagogia
do Teatro do Oprimido, em Minneapolis (EUA), que costuma
reunir mais de 700 participantes.
No próximo ano, o teatrólogo ministra a aula inaugural de uma
conferência mundial de psicoterapia de grupo em Toronto (Canadá), outra área profissional a
utilizar suas teorizações.
Em 14 de julho próximo, Boal
abre festival internacional no Palais Royal parisiense, com a sua
"sambópera" "Carmen" (música
de Bizet e tipos brasileiros), estreada no Rio em 99. Um mês antes, faz reaquecimento dessa
montagem em teatro carioca. Leia
a seguir trechos da entrevista do
intelectual à Folha.
Folha - Sua autobiografia ressoa um tom jubiloso. Apesar de
suas posições críticas, o senhor
é feliz hoje, ou pelo menos otimista?
Augusto Boal - No Brasil de hoje, ou mesmo no mundo, é muito
difícil alguém em sã consciência
se declarar feliz. Já dizia Sófocles
que a pessoa só pode se dizer feliz
no último dia de sua vida. Porém
toda pessoa que luta por algo tem
de ser otimista, acreditar. Eu creio
essencialmente que as coisas podem ser transformadas, por pior
que estejam, como é o caso do
Brasil, um país gangrenado. A
gente vê todo um poder estatal
apodrecido e metade do povo
morrendo de fome, analfabeto,
sem saúde. Apesar dessa tristeza,
é preciso pensar que dá para mudar. Sou muito feliz porque trabalho bastante e tenho amigos.
Folha - Falando em problemas, o senhor lembra em seu livro a interdependência econômica, para atacar a atual globalização...
Boal - Desapareceu o espectro
do comunismo e caiu o muro de
Berlim, porém levantaram-se
muitos outros muros de hipocrisia. Por exemplo, o muro do racismo contra árabes e turcos nos
países europeus. No Brasil, além
de muros extraordinários protegendo riquezas na casa dos trilhões, você ainda vê fossas, como
a dos palácios medievais. A lei do
salário mínimo afirma que esse
valor deve ser capaz de sustentar
um homem; mas, na prática, não
permite sequer se vestir de mendigo para pedir esmola. Essas leis
são pura demagogia. Na época da
escravidão, pelo menos havia
uma lei que autorizava isso. Hoje,
a sociedade está informalmente
dividida em três categorias: a primeira de detentores de poderes
fabulosos; outra de consumidores
de segunda classe; e uma terceira
classe completamente jogada às
traças, descartada.
A sociedade global vê tudo o
que se passa no mundo inteiro,
porém só o que lhe interessa. Entra no conflito Kuait-Iraque, por
causa das riquezas do petróleo;
mas não mexe um dedo para Serra Leoa (África), onde crianças
são mandadas para morrer primeiro nas frentes de batalha e
seus braços são cortados para que
não lutem mais.
Folha - O senhor leva o teatro
do oprimido também às favelas
cariocas?
Boal - Dirijo o Centro do Teatro
do Oprimido no Rio, na Lapa,
uma casa que está muito destroçada. Precisamos de patrocínios
para reformas. Mas temos grupos
ligados à favela de Jacarepaguá,
ameaçados de expulsão de suas
terras, e da favela da Maré, além
de cinco grupos de comunidades
muito pobres. Em SP, trabalhamos há três anos com a Prefeitura
de Santo André, que institucionalizou o Teatro do Oprimido. Dentro do próprio governo local há
um grupo que trabalha no orçamento participativo.
Folha - Pode falar sobre as
próximas peças?
Boal - Estou criando o gênero
"boulevard macabro", com minhas peças "O Inimigo Oculto" e
"A Herança Maldita". Nele conto
o que é o Brasil hoje, mas, em vez
de usar linguagem política, há o
boulevard.
Evento: Encontro com o Autor
Com: Augusto Boal (na sequência, autografa sua autobiografia)
Quando: hoje, 19h30
Onde: MAM - auditório Lina Bo Bardi (pq. Ibirapuera, portão 3, tel. 0/xx/11/
549-9688)
Quanto: entrada franca
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