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RESENHA
Augusto Boal conta Augusto Boal ao pé do ouvido
especial para a Folha
Ali onde o gênero
biográfico estava
posto em sossego,
Augusto Boal quis
fazer irreverência.
Enxertou graça, fingimento, encenação de teatro.
Em lugar de "autobiografia",
classifica seu livro "Hamlet e o Filho do Padeiro" como "memórias
imaginadas". E avisa de saída:
"Mudei nomes, pessoas, personagens. Os fatos são verdadeiros,
mas não aconteceram iguais ao
meu jeito de contar: estilo existe!".
A história pode lançar um olhar
de desprezo, mas Boal tem razão
quando lembra que "memória é
invasora", que as lembranças são
ciumentas umas das outras, pouco confiáveis, e que muitas vezes
"um detalhe vagabundo pensa
merecer manchete e foto".
Esse prólogo justifica a multidão de pequenos fatos insurgentes a coalhar a biografia "inconfiável" do filho de padeiro português
do bairro da Penha carioca, lá onde o penhasco estende degraus de
provação à fé popular.
"Pátria existe!", também exclama o autor, já ao final do volume.
Mas, se chegou até esse ponto, o
leitor já se inteirou do fato, quando menos porque Boal elegeu ritmos de Guimarães Rosa, o brasileiro mais regional e universal,
para compor não épico, nem lírica, mas crônica de cadeiras de balanço colocadas sob o alpendre, à
tardinha. Um luxo, convenhamos, para um autor que sabe que
logo será traduzido para o inglês,
pela casa Routledge.
Fatos enormes não poderiam
deixar de constar do volume, com
datas corretas e nomes quase
sempre reais.
Não foi o autor um dos maiores
responsáveis por movimento de
afirmação do teatro brasileiro nos
anos 60, com uma série de montagens de dramas, comédias e musicais políticos que revelou a nata
dos palcos, de Gianfrancesco
Guarnieri a Maria Bethânia?
Não percorreu todo o calvário
dos militantes de esquerda no
quadro da ditadura militar?
E, já no exílio involuntário, não
criou as técnicas do Teatro do
Oprimido que os estrangeiros
não cessam de festejar como coisa
útil e prazerosa, e da qual até as
angustiadas focas das Ilhas Färo já
ouviram falar?
Conquistas
Do tipo que guarda todo recorte de jornal sobre suas conquistas
e coleciona álbuns de fotos de registros de trabalho e de homenagens, Boal não deixa de contar o
"Boal oficial" com sede de justiça
social, assim como um dia o Arena contou Zumbi.
Mas também gasta as cem páginas iniciais de seu livro com acontecidos de infância onde só falta
mesmo, na paisagem, um pé de
laranja lima. Em compensação,
nos apresenta o saudoso cabrito
Chibuco, bicho que se submeteu
heroicamente aos primeiros exercícios teatrais do pequeno Augusto, mas que um dia parece que
não aguentou mais e lascou chifrada no peito do menino.
Um batismo dionisíaco, insinua
o autor nas entrelinhas. Sim, apesar de um pedagogismo de fazer
inveja a Platão, de uma vocação
didática que neutralizou fronteiras e ódios políticos (e que se torna óbvia até em simples conversa
telefônica), Augusto Boal também é um autor com entrelinhas.
(AM)
Avaliação:
Livro: Hamlet e o Filho do Padeiro
Autor: Augusto Boal
Editora: Record
Quanto: R$ 35 (348 págs.)
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