São Paulo, terça-feira, 17 de abril de 2001

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Formadoras do gosto musical nacional há 30 anos, trilhas de telenovelas são reeditadas em CD

Heroínas e bandidas

Gilberto Braga critica repertório de "Dancin" Days", disco incluído no primeiro pacote de relançamentos

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

Desde sua estabilização, no início dos anos 70, as trilhas sonoras de novelas da Globo mantêm-se, entre heroínas e bandidas, moldando o gosto musical brasileiro. A Som Livre, gravadora da emissora, assume tardiamente a relevância histórica de seu papel e promove o primeiro lote de relançamentos de algumas das mais importantes trilhas nacionais.
O pacote de 20 títulos parte da época em que as trilhas eram total ou parcialmente encomendadas a artistas como Marcos Valle ("Selva de Pedra", de 72) ou Toquinho & Vinicius de Moraes ("O Bem-Amado", de 73). Acompanha piques saudosistas (da antiga canção, em "Escalada", de 75, ou do rock brasileiro dos anos 50, em "Estúpido Cupido", de 76).
Chega ao auge de implantação de modas musicais pela TV (a discothèque de "Dancin" Days", de 78). E desemboca na fase de arranjos entre Globo e gravadoras ("Mandala", de 87, com Rosana gritando "como uma deusa"), mais para emplacar artistas e hits nacionais que para adequar temas a personagens das novelas.
O diretor de marketing da Som Livre, Eugenio Romaguera, relativiza -sem negá-lo- o processo que mercantilizou a relação entre artistas de música, gravadoras e novelas de TV:
"Sempre que não são encontrados fonogramas que cumpram a função de construção de ambiente, músicas são encomendadas. Mas temos que levar em consideração que hoje, com os prazos hiperapertados para produção, a encomenda de uma música especial nem sempre é possível".
Quem ajuda a rememorar a história anterior é o produtor Nelson Motta, que selecionou músicas para a primeira novela da Globo com disco de trilha, "Véu de Noiva", em 70. Não existia ainda a Som Livre, e quem criou o hábito foi a Philips (hoje Universal):
"André Midani (então presidente da Philips) havia trabalhado no México, onde havia isso de lançar trilha. Chamou-me para a produção, e tive que convencer Caetano Veloso, Chico Buarque e Marcos Valle a fornecerem inéditas. Havia muito preconceito contra novela na época, era breguice. Depois do sucesso da primeira, tive que desligar o telefone de tanto artista pedindo para entrar".
Continua: "Ninguém pensou em dinheiro, 3% das vendas ficariam para a Globo e o resto para a gravadora. Quando vendeu 100 mil cópias é que a Globo viu que podia ser um bom negócio. No fim do contrato de um ano com a Philips, é claro que a Globo quis fazer por ela própria. Foi para isso que a Som Livre foi feita".
Motta explica também a superpopulação de nomes hoje totalmente esquecidos -Jacks Wu, Juan Bourbon, Djalma Dias, Piry e Seu Conjunto, Trama, Denise Emmer- nas primeiras trilhas: "Eram artistas que não tinham contrato. No início era uma política de lei do cão, as outras gravadoras não davam nem emprestavam fonogramas para a Globo".
Assim surgiram, nos primeiros anos, as trilhas produzidas sob encomenda -Vinicius de Moraes e Dorival Caymmi deram dimensões musicais a Odorico Paraguassu ("O Bem-Amado") e Gabriela, respectivamente.
Data daí o tema de "Escrava Isaura" por Caymmi (não está na coleção, porque de início as novelas das 18h não rendiam LPs cheios), que desagrada o adaptador da novela, Gilberto Braga:
"Eu não tive a menor participação. Aliás, acho bastante cacete aquele tema principal, "nascer negro é difícil, é difícil como o quê". Que Caymmi me desculpe, porque estou desconfiado que é dele, feito de encomenda pra novela, mas não gosto. Caymmi é um gênio, mas aquele "nascer negro é difícil" eu não curto", diz.
Braga é crítico também em relação à estouradíssima trilha de "Dancin" Days", com Frenéticas, Lady Zu e cia.: "Não tive participação alguma. Apenas pedi "Copacabana", pelo Dick Farney. O disco não servia à novela, tanto que foi preciso lançarem um single na metade do caminho com "Outra Vez", por Roberto Carlos. Não havia romantismo na trilha".
Ele esclarece o conflito: "Guto Graça Mello, que trabalhou sozinho na trilha, mais tarde confessou que achou a sinopse muito fraca e fez o trabalho sem grande carinho. Entendi perfeitamente. A sinopse, que ele recebeu com o título "A Prisioneira", parecia mesmo de um dramalhão de quinta".
O que Braga não lembra é que "Água Viva" (80), outra de suas novelas incluídas no pacote, teve como pesquisador de repertório o então anônimo Lulu Santos.
Mas Lulu lembra: "Fui eu que coloquei e estourei na novela "Menino do Rio", com Baby Consuelo. Éramos eu e Cazuza descolando uma grana, com mais uns senhores velhos. Fazia uma lista de sugestões, meu critério era colocar o que eu gostava, meus amigos".
Diz que legislou em causa própria, também: "Depois de muita insistência, consegui colocar "Melô do Amor" em "Plumas & Paetês". Entrei como Luiz Maurício, eles achavam que Lulu não era nome. Não aconteceu nada".


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