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NINA HORTA
O "marrequinho" que caiu no gosto
No caso do cuscuz, parece que a magia vem da palavra Marrocos, as imagens
de Tanger
"- NÃO ESQUEÇAM das
caixas de cuscuz
marrequinho!",
grita o motorista do bufê ao sair para
uma festa. Felizmente não esquecemos nem o "marrequinho" nem as
"barguetes" (mistura de barquete
com baguete) nem o "salmon", como nós, brasileiros, gostamos de falar. De onde virá a pronúncia? Suspeito que de saumon, herança de
quando éramos afrancesados.
Pois as caixas de cuscuz há uns dez
anos já se acomodam junto ao arroz,
aos cocos e melancias nas viagens
para as festas. Qual será o mistério
da aclimatação de um ingrediente
novo? Alguns vêm e vão como se jamais tivessem vindo, e outros se naturalizam. No caso do cuscuz, parece que a magia vem da palavra Marrocos, as imagens de Tanger, de Casablanca, a música, os souks, as paisagens mutantes.
E quem é afinal o tal de cuscuz que
virou moda? Cherry Ripe, uma escritora australiana, conta que fez corar o dono de um armazém libanês,
ao convidá-lo para provar de seu
cuscuz, que não havia melhor. O homem sumiu empório adentro e não
voltou mais, muito tímido para explicar que, na sua terra, esse era o nome das "partes mimosas da mulher", como explicou o seu irmão,
mais expedito.
Em 1950, a BBC fez um documentário "fake" de 1º de abril, com camponesas italianas subindo as árvores
para a colheita anual do espaguete.
(A produção foi dificílima e estressante.) Muito inglês acreditou, e isso
mostra como se entendia pouco de
massas, na época. Peguem livros de
1940 e vejam como éramos ignorantes e que macarrões esdrúxulos fazíamos. Tão diferente de hoje, principalmente em São Paulo, onde somos os reis do risoto e do penne ao
pesto! Bem, o cuscuz também sofre
de certos mitos. O que é aquilo?
Um grão redondinho? Não, não é,
é macarrão, é pasta, feita de trigo duro, moído grosseiramente. Era de
bom tom fazê-lo à mão. Com a industrialização, foi preso na caixinha
e tudo ficou mais fácil, muito mais,
se bem que, como todo macarrão,
não tão gostoso quanto o fresco.
Foi-se impondo nos restaurantes
pela facilidade de cozimento, pelo
gosto conhecido e pela docilidade
com que se curva à criatividade dos
chefs. Uma água fervente, um rápido
mergulho e está pronto o marrequinho. Pode ser servido com legumes
grelhados, com ervas, mas poucas
vezes o vejo misturado ao grão de bico, como nas receitas do norte da
África. Fica bonito em formato de
pirâmide, sobre corações de alcachofra. Assim, normal, normal, é
meio sem graça. Há os que o amam
muito temperado, apimentado,
acompanhando carnes e aves e cordeiro ou carneiro, sem dúvida. Cozido no vapor e nos caldos. Misturado
a um paio ou lingüicinha e brócolis.
Vale tudo.
Poucos experimentaram o cuscuz
doce, cozido, passado na manteiga,
polvilhado com canela, passas, tâmaras, pistaches, nozes, amêndoas,
macadâmia e um fio de leite por cima, na hora, o quanto baste.
Estão na moda os copinhos com
porções individuais. Nada melhor
que um cuscuz marroquino, proporcional ao tamanho do copo, porque
você não vai pôr um espaguete ao
sugo numa cumbuquinha. E, aí, a
imaginação acode rápido. Tantas
variações!
Outro dia, comi no restaurante
Marcel da Consolação um foie gras
com brotinhos de beterraba. Brotinho mínimo, mesmo. Não imaginam
o gosto forte, de inundar até o cérebro, sem as desvantagens de manchar todo o prato de vermelho! Por
sinal, se um dia quiserem variar e
não comer suflê, ou comer só um suflezinho, peçam o cardápio degustação do Marcel. O dono, Raphael Durand, um rapaz talentoso, é um chef
de primeira fazendo com amor e
garra uma comida autoral. Mas por
que falei nisso mesmo? Porque ele é
o rei dos brotinhos inesperados e saborosos que caberiam todos, muito
bem, num pratinho de cuscuz.
ninahorta@uol.com.br
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