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CINEMA/ESTREIAS
Crítica/"Mataram a Irmã Dorothy"
Produção manipula carga emocional
Documentário sobre assassinato da missionária norte-americana Dorothy May Stang, no Pará, usa artifícios surrados
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
A palavra "documentário" sugere que veremos algo distinto, senão oposto, de "ficção", forma
de relato da qual se espera progressão dramática, contraposição de personagens bons e
maus e, ao final, uma moral da
história. Todas essas regras ficcionais constituem a base de
efeitos que fazem emocionar o
público de "Mataram a Irmã
Dorothy". No entanto, trata-se
bem de um documentário.
Realizado pelo diretor norte-americano Daniel Junge, o trabalho registra o processo de investigação e julgamento dos
acusados pela morte da missionária Dorothy May Stang, assassinada em fevereiro de 2005
no Pará. Como guia pelos
meandros tortuosos do caso temos a voz carregada de autoridade de Wagner Moura, que
cumpre o papel tradicional de
narrador onisciente e enfatiza
julgamentos induzidos pela organização que o diretor faz de
suas imagens.
Outra onipresença que acentua o poder emocional é a de
David Stang, irmão de Dorothy,
que o documentário acompanha na luta para evitar que os
responsáveis pelo crime escapem impunes.
Por fim, o trabalho também
utiliza imagens em profusão da
própria Dorothy, gravadas em
suas atividades de missionária
ao lado de populações carentes
e em depoimentos para reportagens que registram seu papel
de liderança nos conflitos contra latifundiários da Amazônia.
E se completa com abundantes registros dos julgamentos
dos acusados e de bastidores de
articulações dos envolvidos na
acusação e na defesa e com opiniões favoráveis e contrárias,
obedecendo à cartilha da imparcialidade.
Com todo esse arsenal em
mãos, Junge dispensou o recurso arriscado das dramatizações, modo de reiterar que estamos diante de fatos e que basta abrir os olhos para que a verdade salte à nossa frente. E disso nos assegura o letreiro que
abre o filme: "Este documentário não pretende fazer qualquer
julgamento quanto aos acontecimentos aqui descritos".
O cinema, contudo, é uma
linguagem que articula significados. Mesmo que conseguíssemos nos abstrair do tom de
indignação da narração de
Moura, o modo como os valores
são construídos na montagem
enunciam com limpidez a mensagem que "Mataram..." propõe
ao espectador.
Não restam dúvidas a respeito do crime, da intencionalidade mal disfarçada dos acusados
e da simpática natureza da missão assumida pela vítima junto
a desfavorecidos. O problema é
que para nos conduzir a essas
conclusões, "Mataram a Irmã
Dorothy" recorra a artifícios
tão antiquados de manipulação
emocional, o que o torna semelhante em excesso nos efeitos
que nos levam a recusar as piores ficções.
MATARAM A IRMÃ DOROTHY
Produção: Brasil/EUA, 2007
Direção: Daniel Junge
Onde: estreia hoje no cine Frei Caneca Unibanco Arteplex
Avaliação: regular
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