São Paulo, sexta-feira, 17 de abril de 2009

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CINEMA/ESTREIAS

Crítica/"Mataram a Irmã Dorothy"

Produção manipula carga emocional

Documentário sobre assassinato da missionária norte-americana Dorothy May Stang, no Pará, usa artifícios surrados

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

A palavra "documentário" sugere que veremos algo distinto, senão oposto, de "ficção", forma de relato da qual se espera progressão dramática, contraposição de personagens bons e maus e, ao final, uma moral da história. Todas essas regras ficcionais constituem a base de efeitos que fazem emocionar o público de "Mataram a Irmã Dorothy". No entanto, trata-se bem de um documentário.
Realizado pelo diretor norte-americano Daniel Junge, o trabalho registra o processo de investigação e julgamento dos acusados pela morte da missionária Dorothy May Stang, assassinada em fevereiro de 2005 no Pará. Como guia pelos meandros tortuosos do caso temos a voz carregada de autoridade de Wagner Moura, que cumpre o papel tradicional de narrador onisciente e enfatiza julgamentos induzidos pela organização que o diretor faz de suas imagens.
Outra onipresença que acentua o poder emocional é a de David Stang, irmão de Dorothy, que o documentário acompanha na luta para evitar que os responsáveis pelo crime escapem impunes.
Por fim, o trabalho também utiliza imagens em profusão da própria Dorothy, gravadas em suas atividades de missionária ao lado de populações carentes e em depoimentos para reportagens que registram seu papel de liderança nos conflitos contra latifundiários da Amazônia.
E se completa com abundantes registros dos julgamentos dos acusados e de bastidores de articulações dos envolvidos na acusação e na defesa e com opiniões favoráveis e contrárias, obedecendo à cartilha da imparcialidade.
Com todo esse arsenal em mãos, Junge dispensou o recurso arriscado das dramatizações, modo de reiterar que estamos diante de fatos e que basta abrir os olhos para que a verdade salte à nossa frente. E disso nos assegura o letreiro que abre o filme: "Este documentário não pretende fazer qualquer julgamento quanto aos acontecimentos aqui descritos".
O cinema, contudo, é uma linguagem que articula significados. Mesmo que conseguíssemos nos abstrair do tom de indignação da narração de Moura, o modo como os valores são construídos na montagem enunciam com limpidez a mensagem que "Mataram..." propõe ao espectador.
Não restam dúvidas a respeito do crime, da intencionalidade mal disfarçada dos acusados e da simpática natureza da missão assumida pela vítima junto a desfavorecidos. O problema é que para nos conduzir a essas conclusões, "Mataram a Irmã Dorothy" recorra a artifícios tão antiquados de manipulação emocional, o que o torna semelhante em excesso nos efeitos que nos levam a recusar as piores ficções.


MATARAM A IRMÃ DOROTHY

Produção: Brasil/EUA, 2007
Direção: Daniel Junge
Onde: estreia hoje no cine Frei Caneca Unibanco Arteplex
Avaliação: regular



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