São Paulo, sexta-feira, 17 de abril de 2009

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CINEMA/ESTREIAS

Crítica/"Sinédoque, Nova York"

Kaufman celebra a arte em bom filme

Estreia do roteirista de "Brilho Eterno..." na direção aborda diretor teatral em crise que embaralha realidade e ficção

CRÍTICO DA FOLHA

Cinco roteiros de longas bastaram para transformar Charlie Kaufman, 50, em grife familiar para uma parcela do público -dois para Spike Jonze ("Quero Ser John Malkovich", "Adaptação"), dois para Michel Gondry ("A Natureza Quase Humana", "Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças"), um para George Clooney ("Confissões de uma Mente Perigosa").
A esse conjunto, caracterizado por um conflito permanente entre a realidade e a ficção, vem se integrar "Sinédoque, Nova York", primeiro longa de Kaufman como diretor. Ele é também o roteirista, um dos produtores (assim como Jonze) e assina canções da trilha sonora.
Desta vez, é dele o brinquedo. Não se trata, contudo, do que alguns chamam de "filme de roteirista", no sentido de privilegiar a história (e sua "moral") e os diálogos em relação aos demais elementos. Pelo contrário, como lembram o esforço de imaginação visual -similar ao de suas colaborações com Jonze e Gondry (o fotógrafo é Frederick Elmes, parceiro de David Lynch)- e a contribuição inestimável do elenco.

Arte como solução
"Sinédoque" é também "de" Philip Seymour Hoffman, que ajuda a estabelecer o tom do filme, como um diretor teatral dedicado, no começo da trama, a uma remontagem de "A Morte do Caixeiro Viajante", de Arthur Miller, em uma pequena cidade. Sua ambição, no entanto, é chegar à Broadway e encenar algo "grande e verdadeiro".
Ao mesmo tempo em que o destino lhe oferece a possibilidade de montar a tal peça, de escala incomparável a qualquer outra, ele vive o aprofundamento de uma crise que parece motivada apenas pela distância da mulher (Catherine Keener) e da filha (Sadie Goldstein).
No fundo, seu processo depressivo e autodestrutivo envolve a dificuldade de lidar com a memória, com as mulheres, com o tempo que avança em ritmo acelerado, com as mudanças e, principalmente, com a proximidade da morte. Solução? A arte. Para o personagem de Hoffman, a sobrevivência psicológica é canalizada para um espetáculo que se confunda com a própria vida, não só para reconstituí-la, mas para reescrevê-la. Se a realidade é um lugar inóspito, talvez a ficção seja um endereço mais terapêutico e acolhedor.
A fusão entre real e fantasia, ou entre frustrações e desejos, se estende da perspectiva do protagonista para a do próprio filme, construído em forma de sobreposições e espelhamentos. À medida que a espiral avança, o solo se torna cada vez menos firme, inclusive para o espectador, e Kaufman promove uma leitura quase literal do cinema como "o sonho que todos sonhamos juntos", na frase de Jean Cocteau. (SÉRGIO RIZZO)


SINÉDOQUE, NOVA YORK

Produção: EUA, 2008
Direção: Charlie Kaufman
Com: Philip Seymour Hoffman, Catherine Keener, Michelle Williams
Onde: estreia hoje nos cines Frei Caneca Unibanco Arteplex, iG Cine e circuito
Classificação: não indicado a menores de 16 anos
Avaliação: bom



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