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CINEMA/ESTREIAS
Crítica/"Sinédoque, Nova York"
Kaufman celebra a arte em bom filme
Estreia do roteirista de "Brilho Eterno..." na direção aborda diretor teatral em crise que embaralha realidade e ficção
CRÍTICO DA FOLHA
Cinco roteiros de longas
bastaram para transformar Charlie Kaufman, 50, em grife familiar para
uma parcela do público -dois
para Spike Jonze ("Quero Ser
John Malkovich", "Adaptação"), dois para Michel Gondry
("A Natureza Quase Humana",
"Brilho Eterno de uma Mente
sem Lembranças"), um para
George Clooney ("Confissões
de uma Mente Perigosa").
A esse conjunto, caracterizado por um conflito permanente
entre a realidade e a ficção, vem
se integrar "Sinédoque, Nova
York", primeiro longa de Kaufman como diretor. Ele é também o roteirista, um dos produtores (assim como Jonze) e assina canções da trilha sonora.
Desta vez, é dele o brinquedo.
Não se trata, contudo, do que
alguns chamam de "filme de roteirista", no sentido de privilegiar a história (e sua "moral") e
os diálogos em relação aos demais elementos. Pelo contrário, como lembram o esforço de
imaginação visual -similar ao
de suas colaborações com Jonze e Gondry (o fotógrafo é Frederick Elmes, parceiro de David Lynch)- e a contribuição
inestimável do elenco.
Arte como solução
"Sinédoque" é também "de"
Philip Seymour Hoffman, que
ajuda a estabelecer o tom do filme, como um diretor teatral
dedicado, no começo da trama,
a uma remontagem de "A Morte do Caixeiro Viajante", de Arthur Miller, em uma pequena
cidade. Sua ambição, no entanto, é chegar à Broadway e encenar algo "grande e verdadeiro".
Ao mesmo tempo em que o
destino lhe oferece a possibilidade de montar a tal peça, de
escala incomparável a qualquer
outra, ele vive o aprofundamento de uma crise que parece
motivada apenas pela distância
da mulher (Catherine Keener)
e da filha (Sadie Goldstein).
No fundo, seu processo depressivo e autodestrutivo envolve a dificuldade de lidar com
a memória, com as mulheres,
com o tempo que avança em
ritmo acelerado, com as mudanças e, principalmente, com
a proximidade da morte. Solução? A arte.
Para o personagem de Hoffman, a sobrevivência psicológica é canalizada para um espetáculo que se confunda com a
própria vida, não só para reconstituí-la, mas para reescrevê-la. Se a realidade é um lugar
inóspito, talvez a ficção seja um
endereço mais terapêutico e
acolhedor.
A fusão entre real e fantasia,
ou entre frustrações e desejos,
se estende da perspectiva do
protagonista para a do próprio
filme, construído em forma de
sobreposições e espelhamentos. À medida que a espiral
avança, o solo se torna cada vez
menos firme, inclusive para o
espectador, e Kaufman promove uma leitura quase literal do
cinema como "o sonho que todos sonhamos juntos", na frase
de Jean Cocteau.
(SÉRGIO RIZZO)
SINÉDOQUE, NOVA YORK
Produção: EUA, 2008
Direção: Charlie Kaufman
Com: Philip Seymour Hoffman,
Catherine Keener, Michelle
Williams
Onde: estreia hoje nos cines Frei Caneca Unibanco Arteplex, iG Cine e
circuito
Classificação: não indicado a
menores de 16 anos
Avaliação: bom
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