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ARTIGO
Paga-se um preço ao criar e paga-se outro por imitar
A partir de livro da professora e pesquisadora Sílvia Fernandes, diretor Gerald Thomas analisa o teatro contemporâneo e aponta a falta de originalidade deste
GERALD THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Existe um momento quando
o teu passado te bate na cara,
atropela seus rins e fígados e te
deixa em estado de êxtase e dor.
Eu estava aqui em Londres,
quando me chega o livro de Sílvia Fernandes, "Teatralidades
Contemporâneas".
Trata-se de uma obra densa e
compreende muita informação
sobre a atualidade (ou não
atualidade) do teatro mundial e
explora as variantes sobre a vida no palco dessas últimas três
décadas. Esse livro foi escrito
ao longo de dez anos.
A introdução do livro me
menciona de forma incrivelmente simpática. Sempre me
senti um ponto de entrada, mas
entendo que agora eu seja um
ponto de partida. É a vida!
Mas a Sílvia não comete o engano que tantos acadêmicos cometem quando "classificam"
uma arte qualquer ou fazem
uma "melange" de todas as artes. Sílvia Fernandes toma partido. É uma crítica durona e isso é maravilhoso.
Somos muitos nesse livro, ou
melhor, somos "todos". Mas somos, apesar de seres originais,
personagens também.
Com exceção de um ou outro,
que Sílvia aponta como "o pastiche de todos" ou o imitador
sem caráter, somos os personagens ativos numa longa jornada
teatral dantesca, brutal, darwiniana, em que a sobrevivência
não é a do mais forte, mas do
mais persistente.
Falo e escrevo na primeira
pessoa. O que seria um diretor
sem caráter? Em inglês, esse
duplo sentido até que chega a
ser engraçado. "Character" significa "personagem" e o teatro
é feito deles. E a Sílvia deixa claro quem começou, quem imitou, quem se limitou, quem segue ou quem persegue os verdadeiros "characters".
Agora, tendo me despedido
do teatro através de um artigo
no velho blog, mas que está como manifesto no novo blog
(http://geraldthomasblog.wordpress.com), vejo
minha vida teatral e operística
com enorme saudades, mas
com uma tremenda resolução:
sou um "ponto zero", um ponto
falho, se deixei falhas enormes
para trás. Qual ponto falho?
O teatro é uma arte para poucos. Ele sempre existirá, porque o ego de quem se exibe nos
palcos sempre estará maior.
Esse ego quer explodir, quer se
mostrar, quer berrar e ser "tocado" pelo público.
Mas o problema é que não
estão dizendo nada. Nada que
interesse. Então, temos egos
vazios, cantando aberrações
em tonalidades de cores que se
confundem com aquilo que era
uma pintura original da época
em que se tinha algo a dizer.
Me diverti com texto do crítico de teatro da Folha, Luiz
Fernando Ramos, sobre um espetáculo: "Fulano de tal se revela sem rumo nem estilo, como se fosse mais importante
soar genial do que servir à obra.
Essa fraqueza fica explícita nos
três momentos em que as luzes
da suposta sala de cinema se
acendem. No mais provocativo,
quando os atores permanecem
olhando o público em silêncio
por minutos, repete-se gesto de
Gerald Thomas de 20 anos
atrás, com menos brilho e mais
afetação.
A tal peça queria ser
uma bofetada no gosto do público. Consegue ser chata, apesar de desempenhos vigorosos
dos intérpretes, da linda iluminação e do cenário funcional de
Daniela Thomas."
Por que me divirto? Porque
Ramos se refere ao meu espetáculo "M.O.R.T.E." (1990) e
porque em "Teatralidades...", o
mesmo sujeito é descrito como
meu "fiel seguidor". Onde termina a homenagem e começa o
plágio? Ou quando tudo vira
caso de polícia?
O que acontece? Falta cultura a essa "falta de cultura?"
Sim, pelo que Sílvia aponta
existe uma enorme originalidade no teatro das últimas décadas. Se isso não resume a crise
e o inescrupulismo em que vivemos, o que mais posso dizer?
Uma "nação teatral" conquista sua história com independência, sangue e formula
sua própria "constituição"
através de uma, duas, três ou
mais revoluções.
"MUDAR O MUNDO" (palavras sabias de Julian Beck). Tudo isso tem um preço. Um preço alto e, por isso, o teatro não
está mais "mudando o mundo".
Paga-se um preço ao criar,
paga-se outro por imitar.
O "teatro-supermercado" de
"gadgets" que precisamos para
viver é algo chato e sem pensamentos a respeito de si. O teatro não se repensa há tempos.
A arte que repete ou imita é
retórica, mas não tem opinião!
É a morte, a minha M.O.R.T.E.,
que significa: "Movimentos
Obsessivos e Redundantes para Tanta Estética". Poucos,
nesses 30 anos de teatro revisitados por Sílvia, são pensadores originais da arte. O resto
obceca em torno de uma estética velha. Não sei se devo ou não
agradecer por essa desgraça.
GERALD THOMAS é diretor e autor teatral
TEATRALIDADES CONTEMPORÂNEAS
Autor: Sílvia Fernandes
Editora: Perspectiva
Quanto: R$ 40 (288 págs)
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