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15º É TUDO VERDADE
Crítica/ "Terra Deu, Terra Come"
Direção inventiva resgata quilombolas
FLAVIA CESARINO COSTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
No início do século 18, a
descoberta de diamante em Minas Gerais
trouxe um grande afluxo de
pessoas ligadas ao garimpo. A
cidade de São João da Chapada
era uma das sedes administrativas da administração colonial, que tentava controlar o
contrabando. Escravos fugidos
escondiam-se perto do vizinho
Quartel de Indaiá, onde ficavam as tropas portuguesas.
Com a desativação das minas
pela Coroa, os quilombolas
ocuparam a área e formaram
uma povoação que permaneceu relativamente isolada
até hoje.
Nessa região praticam-se
ainda os chamados "vissungos", músicas em forma de perguntas e respostas associadas a
cerimônias fúnebres, cantadas
inteiramente em dialeto benguela, originário de Angola.
Por causa do isolamento e da
sobrevivência dessa forma musical, os moradores de Quartel
de Indaiá são visitados por pesquisadores e desde o início do
século. O documentário de Rodrigo Siqueira, "Terra Deu,
Terra Come", procura resgatar
o que sobra destes cantos na
memória dos habitantes locais,
mas propõe uma perspectiva
diferente para o embate com
seus entrevistados.
Parte do problema é que seu
principal informante, o sr. Pedro de Alexina, 82 anos, precisa
enfrentar o desgaste do tempo
e o embaralhamento de uma
tradição oral já misturada com
o português e que se modifica a
cada vez que ele é entrevistado.
Pedro de Alexina fica no limiar entre a rememoração, a
vivência real e a tentação para
inventar, rodeado de filho, netos e da mulher, que influenciam a conversa.
A saída do diretor para a situação é bastante inventiva.
Em vez de apelar para o estilo
documental tradicional, Rodrigo Siqueira transforma a situação ambígua das memórias de
seu Pedro, que transitam entre
o relato e a invenção, em matéria-prima de encenações que
envolvem todo o núcleo familiar.
Até os filhos e netos, meio
descrentes, envolvem-se com
um jogo que acaba sendo mais
verdadeiro do que o produto de
uma memória fiel. E a imagem
documental acaba se construindo, ao longo do filme e das
conversas filmadas, como um
comentário poético e metalinguístico sobre ela mesma e sobre os limites da verdade.
TERRA DEU, TERRA COME
Direção: Rodrigo Siqueira
Quando: hoje, às 15h, no Espaço
Unibanco de Cinema, em SP
Avaliação: bom
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