São Paulo, sábado, 17 de abril de 2010

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15º É TUDO VERDADE

Crítica/ "Terra Deu, Terra Come"

Direção inventiva resgata quilombolas

FLAVIA CESARINO COSTA
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

No início do século 18, a descoberta de diamante em Minas Gerais trouxe um grande afluxo de pessoas ligadas ao garimpo. A cidade de São João da Chapada era uma das sedes administrativas da administração colonial, que tentava controlar o contrabando. Escravos fugidos escondiam-se perto do vizinho Quartel de Indaiá, onde ficavam as tropas portuguesas.
Com a desativação das minas pela Coroa, os quilombolas ocuparam a área e formaram uma povoação que permaneceu relativamente isolada até hoje.
Nessa região praticam-se ainda os chamados "vissungos", músicas em forma de perguntas e respostas associadas a cerimônias fúnebres, cantadas inteiramente em dialeto benguela, originário de Angola.
Por causa do isolamento e da sobrevivência dessa forma musical, os moradores de Quartel de Indaiá são visitados por pesquisadores e desde o início do século. O documentário de Rodrigo Siqueira, "Terra Deu, Terra Come", procura resgatar o que sobra destes cantos na memória dos habitantes locais, mas propõe uma perspectiva diferente para o embate com seus entrevistados.
Parte do problema é que seu principal informante, o sr. Pedro de Alexina, 82 anos, precisa enfrentar o desgaste do tempo e o embaralhamento de uma tradição oral já misturada com o português e que se modifica a cada vez que ele é entrevistado.
Pedro de Alexina fica no limiar entre a rememoração, a vivência real e a tentação para inventar, rodeado de filho, netos e da mulher, que influenciam a conversa.
A saída do diretor para a situação é bastante inventiva. Em vez de apelar para o estilo documental tradicional, Rodrigo Siqueira transforma a situação ambígua das memórias de seu Pedro, que transitam entre o relato e a invenção, em matéria-prima de encenações que envolvem todo o núcleo familiar.
Até os filhos e netos, meio descrentes, envolvem-se com um jogo que acaba sendo mais verdadeiro do que o produto de uma memória fiel. E a imagem documental acaba se construindo, ao longo do filme e das conversas filmadas, como um comentário poético e metalinguístico sobre ela mesma e sobre os limites da verdade.


TERRA DEU, TERRA COME

Direção: Rodrigo Siqueira
Quando: hoje, às 15h, no Espaço Unibanco de Cinema, em SP
Avaliação: bom




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