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Álbum é provocativo à MPB e ao tecno
da Reportagem Local
A gritaria não deve tardar, mas é
bobagem praguejar contra a "conversão" de Lobão ao tecno. Como
bem ele diz, "Noite" não é CD tecno, não é feito para pistas de dança
nem para clubbers. É disco brasileiro, feito para brasileiros.
Aí Lobão revela-se mais provocativo que nunca. A mensagem é
clara, cristalina: música popular
brasileira, para ele, não é -como
para, de resto, o resto quase integral de seus colegas- sinônimo
de estagnação.
Lobão não domina linguagens
de tecno ou rock industrial à Nine
Inch Nails. Usa-as desordenadamente. Os códices drum'n'bass
são vilipendiados já de início -na
faixa-título, a linguagem é revestida de vocais estridentes, bravos,
nada drum'n'bass.
"Noite" é um compêndio de
poemas sombrios, pessimistas, às
vezes assustadores. A melodia
existe, mas não é prioridade
-poucas faixas (e destas "24 Horas" é a mais notável) são cantaroláveis, radiofônicas.
Não há concessões a facilidades,
os versos doem: "O grito é a fuga
do silêncio" ("O Grito"), "talvez
hoje seja simplesmente véspera de
nada" ("A Véspera"), "me abraça
e esquece todo o luto que este
mundo tem" ("Sozinha Minha").
No instante mais debochado do
CD, "Samba da Caixa Preta", Lobão destila indignação pela permanência das mazelas nacionais,
usando como pretexto o oba-oba
pelas Olimpíadas cariocas ("aqui o
narciso é carioca, não morre afogado, mergulha, dá um jeito/ se
transforma em peixe ornamental", denúncia contra a burrice).
Aí mesmo desafia os clichês do
orgulho nacional, invertendo em
"minha alma chora" a máxima jobiniana ("minha alma canta/ vejo
o Rio de Janeiro"). Parecerá ranhetice aos mais contentes, mas é
declaração de amor.
Lobão flagra-se numa corda
bamba. Insuflado de indignação (e
dizem que isso está fora de moda),
procura perverter a um tempo a
mesmice MPB (via provocações
tecno) e a nova apatia tecno (injetando discurso numa linguagem
que quer expulsar o discurso de
sua estrutura).
Sabe que não domina à perfeições as linguagens em que se embrenha, que continua a não buscar
excelência nos modos de cantar.
Sabe, enfim, que virar tecno guarda lá sua dose de caretice.
Mas justo aí se esclarece que Lobão entrou, definitivamente, na
vida adulta. Pois dá-se ao luxo da
sabedoria, ao definir "Noite" como mais careta que seu antecessor, "Nostalgia da Modernidade".
De fato, Lobão concebeu agora
um disco menos radical que aquele. Até nisso exibe pulso: "Nostalgia", um dos discos cruciais dos
anos 90 no Brasil, não foi minimamente compreendido.
A pulga continua atrás daquela
orelha, "Noite" é um sucedâneo,
não uma superação. Em "Nostalgia", Lobão pedia passagem como
compositor popular de verve, de
samba, rock e maracatu, superior
a rótulos ou compartimentos.
Depois de mortos -talvez só
por isso-, seus contemporâneos
Cazuza e Renato Russo acabaram
elevados ao pódio dos grandes
compositores brasileiros. Lobão
não precisa estar morto para que
sua propriedade seja reconhecida
-"Nostalgia" cumpriu esse papel.
Diante dele, o sistema se retraiu,
fechou guarda -"você só dá valor
e amor ao que te cega" ("Síndrome
de Brega", 88) ainda é frase-chave
em sua obra. Teimoso, usa foice
para cortar o mato cerrado.
(PAS)
Disco: Noite
Artista: Lobão
Lançamento: Universal
Quanto: R$ 18, em média
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