São Paulo, sexta, 17 de abril de 1998

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Lobão

da Reportagem Local

Ele se considera um isolado, um exilado. "Estou num momento de absoluto exílio. Tenho sido muito, mas muito descredenciado, às vezes como um bufão, outras como um aposentado. Mas, em vez de me recalcar, funciona como um haltere para minha alma", afirma o cantor e compositor carioca Lobão, 40, no momento em que lança seu décimo álbum, "Noite".
Depois do "emepebístico" -e amplamente rejeitado- "Nostalgia da Modernidade" (95), Lobão consuma nova guinada, agora rumo aos samples e a temas da moda como tecno e drum'n'bass.
"Duvido que haja algo tão ousado quanto este disco na praça. Meus níveis de vendagem são tão dramaticamente baixos, que posso fazer o que quiser. Pareço um artista novo, estreante", diz o artista, contratado pela Universal após temporada de exílio da indústria fonográfica.
Antes que se denuncie oportunismo tecno, ele se apressa em redefinir prioridades. "Este disco é mais careta que "Nostalgia da Modernidade', mas é proposital e ousadamente mais careta. Peguei temas que são tendência -tecno nem é mais underground, Prodigy já é jingle de Melissinha- e tentei ser o mais ousado possível."
Lobão não pretende se infiltrar nas controvérsias que cercam o universo tecno (sempre pronto a repelir adesões repentinas), nem se fazer "clubber de última hora".
"O tecno é cenográfico no meu trabalho. "Nostalgia' foi desprezado, pegaram o filão e tornaram ufanista. Meus amigos morreram, meus inimigos estão no poder, estou sozinho. Só me resta me diferenciar. Mas, em respeito às tribos clubbers, não quero ser oportunista, seria falsidade ideológica."
Sua conclusão: "Uso uma vestimenta inteligentemente provocativa para vasculhar a MPB. Estou provocando aquilo que amo. Este CD tem farpas, é áspero, desamparado. Mas é provocação amorosa. Homenageio o tecno, que é evidentemente revolucionário, mas faço música popular brasileira".
Volta, assim, à questão do exílio a que os de sua geração foram submetidos, em maior ou menor grau. "Não sou pop/rock. Isso aqui tem conotação superficial, juvenil, júnior. Por favor, me respeitem, não sou bufão, subproduto. Não há essa diferenciação hierárquica. Se ganhar prêmio de pop/rock, fico louco, lunático."
"Fiz samba em "Nostalgia', e era estratégico, para evidenciar nossa "bastardice'. Mostrei para Paulinho da Viola, ele disse: "Os sambas são ótimos, mas os rocks são do caralho!'. Aí a Rita Lee diz que o Lobão ficou careta porque fez samba. É um estereótipo preconceituoso", afirma.
Bom-mocismo
Clamando ainda por ruptura, Lobão fala das novas gerações do pop nacional. "Tem muita gente boa, mas faltam gurus -talvez por questão estratégica, pois temos potencial "gurulógico'. Tem muito filhote de tropicália, e aí tradição se confunde com continuísmo, é muito neotropicalismo."
Sobre as vertentes mais populares: "É "bundamolice', bom-mocismo, são os filhos da Xuxa. Não sou adepto do rebolado sôfrego dos quadris picanha. É uma sede de aceitação pelo estrangeiro, "veja o Brasil' -aí ou é o "jeitinho brasileiro' ou o "povinho de merda'. Não vamos ser piada, porra!".
Aproveita o fôlego e fala ("retardatário") da revolta que lhe causou a campanha por Olimpíadas no Rio, tematizada na faixa "Samba da Caixa Preta":
"Aquele clipe de adesão é um lapso de inteligência daqueles artistas. A cidade é podre, fede. Carioca sangue bom é uma merda, essas supostas virtudes são precariedades. Jactar-se e se envaidecer da farofa da mulata é síndrome de capacho de rendez-vous de Terceiro Mundo. Vamos nos ligar um pouquinho em arte, estamos espartanos demais, é só malhação. Carioca é narciso, mas cai na água e não se afoga, vira peixinho ornamental. Cumpre o mito, pô!"
Não poupa os medalhões, também. "Se vou à casa de Paulinho da Viola, posso falar que adoro ele e não sou eclipsado. Conversamos de igual para igual, ele não se locupleta. Isso não acontece com outros colegas, se falo "te amo' vou pro bolso deles. Viro "geração de merda', "iê-iê-iê' -e não sou."
Não resta, de tudo isso, um discurso pessimista, segundo Lobão. "Noite' é um disco de desamparo, mas exprime a felicidade do desamparo. Nada pode deter uma pessoa feliz." (PAS)


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