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CANNES
Diretor americano exibiu "Mulholland Drive", com reviravoltas habituais, ontem na competição oficial do festival
Lynch apresenta seu mundo esquisito em novo longa
SÉRGIO DÁVILA
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
Há alguns anos, entusiasmados
pelo sucesso e pela criatividade de
"Twin Peaks", os executivos da
emissora norte-americana ABC
deram carta branca ao cineasta
David Lynch para que desenvolvesse e levasse a eles o projeto de
uma nova série de TV. Eles sabiam que a cabeça do autor de
"Veludo Azul" é um dos lugares
mais estranhos do planeta, mas
também que a história de Laura
Palmer é ainda hoje um dos maiores sucessos televisivos.
Semanas depois, Lynch apresentou sua idéia. Começava com
um acidente de carro na Mulholland Drive, estrada da Califórnia
que liga a praia ao centro de Los
Angeles e onde moram vários endinheirados de Hollywood. Da
batida resultavam alguns corpos,
uma atriz morena com amnésia
que iria conhecer uma loira aspirante a estrela, e ambas partiriam
para encontrar a verdadeira identidade da amiga.
E então?, perguntaram.
Então, respondeu Lynch, só
comprando o resto da série para
saber. Eles compraram, ele fez um
piloto de duas horas e meia, mas o
programa foi cancelado antes
mesmo de ir ao ar.
"Muito esquisito", disseram, o
mesmo que definir um CD do Sepultura como "muito barulhento"; quer dizer, ou você sabe o que
está comprando ou não sabe.
O cineasta, que já atribuiu uma
maré de má sorte que teve a uma
aparição na capa da "Time" ("Dá
dois anos seguidos de azar, me
disseram"), não desistiu.
Com o dinheiro do francês Studio Canal, reeditou o piloto, especialmente o final, e o resultado é o
longa "Mulholland Drive", que o
Festival de Cannes exibiu ontem
como parte da competição oficial.
Não é a primeira vez do cineasta
de Montana, EUA, no evento
francês. Lynch ganhou a Palma de
Ouro de 1990 por "Coração Selvagem" e concorreu ainda em 1992
("Twin Peaks - Os Últimos Dias
de Laura Palmer") e 1999 ("A História Real", ainda inédito no Brasil). Não parece provável que leve
algo desta vez.
Não porque o filme seja ruim. É
um ótimo título, se analisado isolado. Mas, visto no conjunto da
obra de Lynch, dá impressão de
que repete fórmulas consagradas
pelo diretor. Assim, há ligação
com o sobrenatural, que acontece
sempre atrás da velha cortina vermelha; personagens bizarros, como um caubói albino e um mendigo quase sobrenatural.
Estão lá a trilha sonora sombria
de Angelo Badalamenti, que aliás
faz uma ponta como um mafioso
italiano muito exigente com a maneira como seu "expresso" é servido; e até mesmo o anão que falava ao contrário em "Twin Peaks"
(o ator prejudicado verticalmente
Michael J. Anderson), agora como um poderoso chefão.
Mas, principalmente, está lá a
reviravolta no meio da trama, como em "A Estrada Perdida" (Lost
Highway, 1997). A diferença aqui
é que os atores continuam os
mesmos, mas os papéis mudam.
Assim, Rita (Laura Herring), a
amnésica, e Betty (Naomi Watts),
a aspirante, depois de visitar um
show bizarro e sobrenatural no
meio da noite, viram um casal de
lésbicas em crise.
"Mulholland" chega a ser engraçado em alguns momentos;
parece ser o mais próximo a que
Lynch consegue chegar da comédia. Por exemplo, na hora em que
um matador de aluguel assassina
um amigo. Quando vai armar a
cena para parecer que foi suicídio,
o sujeito atira na parede e o disparo atinge sem querer a perna de
uma senhora imensa do outro lado.
Acaba tendo de matá-la sufocada, mas então chega o faxineiro,
que ouviu os barulhos. Ele vai ter
de morrer também, mas, ao fazer
isso, o matador dispara o alarme
de incêndio. O negócio vai ser fugir pela escada de emergência.
Enquanto isso, um close na
ponta de um cabelo da primeira
vítima mostra que o tiro fatal arrancou pedacinhos de seu cérebro...
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