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FESTIVAL DE CANNES
Israelense apresentou obra em abertura da mostra competitiva que também exibiu filme de Guédiguian
Amos Gitai detona alta voltagem histórica
ALCINO LEITE NETO
ENVIADO ESPECIAL A CANNES
O cinema de alta voltagem histórica do diretor israelense Amos
Gitai, em "Kedma", dividiu ontem a abertura da mostra competitiva do Festival de Cannes com um melodrama do francês Robert
Guédiguian, "Marie-Jo e Seus
Dois Amores", em que a dupla
paixão de uma mulher enfrenta a
banalidade do tempo.
"Kedma" é saga arquitetada em
sete quadros, contando a chegada
de judeus à Palestina em 48. Vindos da Rússia, da Polônia, da Lituânia, eles tomam o navio Kedma em busca da Terra Prometida.
Gitai filma essa chegada num
novo mundo como um choque
entre o passado e o futuro, entre a
memória do judaísmo e a definição de Israel.
Os personagens falam na forma
de monólogos, relatando o seu
passado trágico e manifestando
sua esperança com o novo lugar.
Os monólogos, baseados em relatos reais, compõem no conjunto
um sistema polifônico, cuja expressão desdobra os vários projetos de Israel -desde a promessa
socialista dos kibutz até o sentimento de vingança que encontra
chance de aflorar.
"Não temos história, foram os
góis (não-judeus) que fizeram
nossa história para nós", diz um
dos personagens no monólogo final do filme. "Penso que Israel
não é mais um país judeu", continua, expressando provocativamente o fim do exílio como a ruptura com o mito e o início de uma
história de fato. A multiplicidade
de pontos de vista inclui mesmo
os palestinos, em sequências notáveis, cuja força desafia os integristas de ambos os lados.
Ele defendeu um cinema de reflexão e condenou o boicote que o
Congresso Judaico Americano
propôs do festival. "Como eu poderia discordar de Woody
Allen?", respondeu, ao ser indagado se, como ele, discordava do
boicote.
"Marie-Jo e Seus Dois Amores"
é um filme construído com o que
há de mais banal. Casada e já de
meia-idade, Marie-Jo se apaixona
por outro homem. A paixão revivifica sua vida, mas também traz
um grande tormento, pois ela
ama igualmente o marido e o
amante. Incapaz de decidir por
um e outro, acaba caindo nas jugulares do destino.
Guédiguian aproxima-se dos
personagens da pequeno-burguesia francesa, confortáveis com a
social-democracia de Lionel Jospin (citado brevemente no filme),
para verificar onde depositaram a
sua paixão. Ele a encontra, com
uma lupa hiperrealista e supergenerosa, nos detalhes das coisas,
nas rupturas inofensivas, por onde vai se instalando a tragédia.
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