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LIVROS/LANÇAMENTOS
"CULTURA E POLÍTICA"/ "REFLEXÕES SOBRE O EXÍLIO"
Palestino ratifica sua capacidade de defender argumentos
Said se equilibra entre erudição e ativismo
RINALDO GAMA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Foi com desconfiança que, há
quase três décadas, os profissionais da filosofia e da política viram crescer a repercussão dos
textos, em suas respectivas áreas,
escritos por um certo professor de
literatura comparada da Universidade Columbia (Nova York).
Houve quem o alertasse, temendo as consequências do destaque,
a certa altura já em nível internacional, dos artigos políticos que
ele assinava. Sua própria mãe
alarmou-se: "Por que você está se
metendo em coisas que não são
realmente do seu ramo? Volte para a literatura".
Era tarde. Embora nunca abandonasse seu campo de formação
acadêmica, o tal professor, Edward W. Said -nascido em Jerusalém no ano de 1935, educado
em escolas inglesas do Cairo e que
há quatro décadas integra o quadro docente daquela prestigiosa
universidade americana-, começava a se tornar o que é hoje: o
mais respeitado pensador militante da causa palestina.
Contudo, numa coincidência
editorial, os dois últimos livros de
sua autoria que chegaram às livrarias brasileiras -"Cultura e Política" e "Reflexões sobre o Exílio e
Outros Ensaios"- o revelam em
ambas trincheiras: a erudita e a da
ação (que tantas vezes se confundem). Dito de outra forma, trazem Said de corpo inteiro.
"Cultura e Política" dedica mais
páginas ao segundo tópico, em
textos, publicados entre 1998 e
2002 (inclusive na Folha), que tratam do conflito entre palestinos e
israelenses. Já em "Reflexões...",
cujos ensaios, que saíram em diversos veículos, cobrem sobretudo o período 1976-1998, aqueles
dois grandes temas se dividem
igualmente.
O que chama a atenção no trabalho de Said é a sua capacidade
de defender argumentos. Nele, a
arte do ensaio, do artigo opinativo
-da persuasão-, encontra o
equilíbrio da lucidez, baseado
num irreprimível humanismo.
Assim, quando Said dispara
suas críticas tanto a Israel quanto
aos Estados Unidos (que aparecem, por exemplo, em "Identidade, Autoridade e Liberdade", de
"Reflexões...") quanto a Yasser
Arafat, de quem foi colaborador
("O Preço de Camp David", para
citar um artigo de "Cultura e Política"), suas ponderações ganham
uma notável credibilidade. Sua
postura diante do problema pode
ser resumida -sem que se confunda isso com uma visão simplista ou ingênua- nos versos finais de um poema do martinicano Aimé Césaire, não por acaso
citado mais de uma vez em "Reflexões...": "E nenhuma raça possui o monopólio da beleza/da inteligência, da força, e há lugar/para todos no encontro da vitória".
Credibilidade -e erudição-
constituem as características do
ensaio-título de "Reflexões...".
Quando Said escreve que "toda
pessoa impedida de voltar para
casa é um exilado", é evidente que
está falando de si mesmo -e de
todos os palestinos. De qualquer
maneira, não se trata de um texto
memorialístico. Quem está no
centro dele é o conto "Amy Forster" -"talvez a mais intransigente representação do exílio jamais
escrita"-, do polonês Joseph
Conrad, uma especialidade do ensaísta, cujo primeiro livro estuda
o autor de "Nostromo" (romance
analisado em "Reflexões...").
Alguns autores, como V.S. Naipaul e Naguib Mahfouz -vencedores do Nobel de literatura- e
um artigo, "O Choque das Civilizações", de Samuel Huntington
("uma farsa"), são abordados, ao
mesmo tempo, em "Cultura e Política" e "Reflexões...". Nessa obra,
mais diversificada, Said retoma
ainda a questão do orientalismo,
termo que intitula seu livro de
maior influência (publicado aqui
pela Companhia das Letras em
1990); comenta Vico; discorre sobre grandes pianistas -Glenn
Gould à frente, claro (vale lembrar que ele toca piano e faz críticas musicais para "The Nation").
Se "Cultura e Política" contém o
texto mais emocionante das duas
coletâneas, "Meu Encontro com
Sartre", é em "Reflexões..." que se
lêem seus melhores posicionamentos sobre o papel do intelectual -e uma espécie de auto-retrato interior. No ensaio "Sobre
Causas Perdidas", Said recorre à
literatura para chegar ao problema "no mundo político público".
E então conclui: "A consciência
da possibilidade de resistência só
pode residir na vontade individual que é fortificada pelo rigor
intelectual e pela firme convicção
da necessidade de começar de novo, sem garantias, exceto, como
diz Adorno, "a confiança presente
de que o que foi pensado de modo
convincente deve ser pensado em
algum outro lugar e por outras
pessoas (...). Dessa perspectiva,
podemos perguntar se qualquer
causa perdida pode, algum dia,
estar realmente perdida".
É a esperança da razão, algo que
não destoa de quem, há várias décadas, decidiu estender sua primeira causa, a palavra, para além
da literatura -digamos, para outros territórios.
Rinaldo Gama é editor-executivo dos
"Cadernos de Literatura Brasileira", do
Instituto Moreira Salles, e autor de "O
Guardador de Signos: Caeiro em Pessoa"
(Perspectiva/IMS, 1995, ensaio).
Cultura e Política
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: Edward W. Said
Organização: Emir Sader
Tradução: Luiz Bernardo Pericás
Editora: Boitempo Editorial
Quanto: R$ 29 (176 págs.)
Reflexões sobre o Exílio e Outros Ensaios
![](http://www.uol.com.br/fsp/images/ep.gif)
Autor: Edward Said
Seleção: Milton Hatoum
Tradução: Pedro Maia Soares
Editora: Companhia das Letras
Quanto: R$ 39,50 (352 págs.)
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