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São Paulo, sábado, 17 de maio de 2003

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"OS ELEMENTOS DO JORNALISMO"

Jornalismo conduz auto-exame da sociedade americana

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

O jornalismo americano, principal referência para o brasileiro há pelo menos 50 anos, atravessa um de seus períodos históricos de maior perda de credibilidade.
O processo crescente de absorção de veículos de comunicação a grandes oligopólios empresariais com interesses múltiplos e por vezes conflitantes, a erosão das tradicionais barreiras que separam redações de departamentos comerciais (sobretudo no setor de revistas), a por vezes exagerada transformação da notícia em espetáculo, o engajamento ostensivo a políticas do governo dos Estados Unidos após os atentados de 11 de setembro e a ocorrência de graves erros de informação, como o recente escândalo que envolve o mais prestigioso diário do país ("The New York Times"), são apenas alguns exemplos dessas dificuldades.
Como é típico da cultura coletiva dos Estados Unidos, esses temas não passam batido na própria mídia.
Ao contrário de outras sociedades, a americana nunca deixa de se examinar nos piores momentos, mesmo quando as consequências da discussão possam ser potencialmente prejudiciais a seus promotores.
"Os Elementos do Jornalismo -°O que os Jornalistas Devem Saber e o Público Exigir", livro de Bill Kovach e Tom Rosenstiel que acaba de ser lançado no Brasil, demonstra a veracidade das afirmações do parágrafo anterior.
Trata-se do resumo de uma exaustiva jornada de seminários, entrevistas e reuniões que envolveram cerca de 3.000 pessoas, inclusive 300 jornalistas, a partir de 1997, sob a coordenação desses dois estudiosos dos veículos de comunicação.
Também é característico do modo de pensar e agir da maioria dos americanos uma certa ingenuidade, a excessiva crença em conclusões deduzidas de pesquisa quantitativa e um otimismo quase inocente (com frequência religioso) em relação à prevalência do "bem" sobre o "mal", na perspectiva maniqueísta que sempre foi importante no país e que se tornou absolutamente hegemônica desde 11 de setembro de 2001.
Essas deficiências de análise, tão comuns em estudos acadêmicos produzidos nos EUA, são visíveis no trabalho de Kovach e Rosenstiel, que também cedem à recorrente tentação local de explicitar um receituário, o qual, se seguido pelos profissionais do jornalismo e reivindicado por seu público, poderá salvar a profissão e a indústria da comunicação dos demônios que as afligem.
Tais simplificações de forma não anulam, no entanto, a relevância da maioria das constatações e mesmo dos conselhos que Kovach e Rosenstiel alinhavam ao longo das quase 300 páginas de seu livro.
Trata-se de um material de grande utilidade que, analisado com perspectiva mais crítica e intelectualmente mais sofisticada do que seus bem-intencionados autores são capazes de oferecer, pode de fato ajudar bastante a compreender a origem das dificuldades do jornalismo contemporâneo e a conceber soluções para elas.
Dada a influência que o jornalismo americano exerce sobre o brasileiro, a leitura desse "Os Elementos do Jornalismo" é ainda mais recomendável aqui, inclusive devido ao excelente prefácio à edição nacional, redigido por Fernando Rodrigues, repórter especial e colunista da Folha, e à ótima tradução de Wladir Dupont.


Carlos Eduardo Lins da Silva é diretor-adjunto de Redação do jornal "Valor Econômico".

Os Elementos do Jornalismo
   
Autores: Bill Kovach e Tom Rosenstiel
Editora: Geração Editorial
Quanto: R$ 29 (302 págs.)


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