São Paulo, segunda-feira, 17 de maio de 2004

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Festival de Cannes apresenta a vitalidade da produção que vem da Coréia do Sul

Álcool, sexo e cinema

Divulgação
Cena de "A Mulher e o Futuro do Homem', longa do diretor Hong Sang-soo, da Coréia do Sul, que participa da competição oficial


DO "LE MONDE"

"Toda manhã, levanto-me entre as oito e as nove. Tomo um café da manhã reforçado. Às 10h30, chego ao trabalho, onde fico até de noite, sozinho. Leio, é mais ou menos tudo que faço. Quando chega a hora do jantar, normalmente saio com meu assistente e um ou dois outros sujeitos, bebemos alguma coisa."
Monótono e controlado, o modo de vida de Hong Sang-soo é uma práxis, quase religião. Essa é a chave para um nível superior de percepção, condição que julga necessária para fazer cinema.
"Os pensamentos são filtrados constantemente pelas representações da mídia, do cinema... Minha atitude consiste em olhar em outras direções, para a banalidade. Não tenho necessidade de tomar como tema algo que já foi tratado, a não ser que seja para lançar luz sobre o que estava à sombra, e vice-versa", afirma.
Autor de filmes poéticos com estética minimalista e de títulos enigmáticos como "O Dia em que o Porco Caiu no Poço", "A Noiva Desnudada por Seus Pretendentes", "O Poder da Província de Kangwon" e "Porta Giratória", o cineasta sul-coreano apresentou em Cannes seu quarto longa-metragem, "A Mulher e o Futuro do Homem", que participa da competição oficial.
Para ele, um filme começa por uma situação: "Não tenho a intenção de mudar esse método. Em "A Mulher e o Futuro do Homem", comecei com uma idéia: dois homens se encontram à tarde para uma bebida. Falam de uma moça que conheceram no passado, tomam coragem ao se embriagar e decidem visitá-la".
O cineasta a seguir permite que lhe surjam uma série de "pedaços heterogêneos", um encontro em um campo de futebol, a narrativa de uma história de violência, uma cena de sexo...
Em Hong Sang-soo, o sexo é tão banalizado quanto o resto. "Filmo o sexo porque, como todo mundo, tenho forte curiosidade a respeito e gosto muito. As cenas encontram seu lugar porque minhas histórias se passam entre homens e mulheres. E, como as demais, surgem com grande simplicidade, como blocos autônomos."
Esse método de colcha de retalhos se aplica também aos personagens. "Com um modelo único, somos permanentemente reconduzidos à pessoa, àquilo que ela pensa sobre as coisas: não há liberdade." Por isso, cada personagem se compõe de quatro ou cinco pessoas diferentes, diz o autor.
"Nesse estágio, tenho 30% a 40% da personalidade", afirma. O resto vem do autor, que se diz inspirado pelo álcool. "Com o álcool, se vai mais fundo. Ele me confia segredos, e eu os confio a ele. Compreendo do que se trata, pouco importa que me engane, e o integro." Hong Sang-soo escolhe sempre atores estreantes. "Eles têm o desejo de ir mais longe, de descobrir coisas."
Uma primeira trama é exposta em um argumento de 30 páginas, destinado ao produtor, mas as cenas mesmas são escritas na manhã da filmagem. Duas ou três por dia, inspiradas no cenário, no cachorro que passa... Ele conduz os ensaios -30 minutos por cena- e a filmagem em seqüência.
Da escrita à edição, cada etapa se assemelha a um jogo de armar. Quanto ao resultado final, talvez o diretor mesmo faça a melhor descrição, ao falar de Cézanne: "Suas linhas ficam na fronteira entre o concreto e o abstrato, no local exato em que os dois convergem".


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