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ARTES PLÁSTICAS
Artista critica instituições culturais e fala de sua performance envolvendo moscas, girinos e bailarinos
Para Tunga, a arte deve "atingir o sonho"
FABIO CYPRIANO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
No próximo sábado, o artista
plástico Tunga rege uma sinfonia,
que será executada por sete bailarinos, 40 estudantes de biologia,
600 rãs, 2 mil girinos, 40 mil moscas e milhares de larvas. Trata-se
de "Laminadas Almas", peça que
foi apresentada pela primeira vez
há dois anos, em São Paulo, na galeria Millan Antonio, e chega ao
Rio, 14 anos após outra mostra
significativa do artista na cidade.
Um dos artistas com maior
prestígio internacional -uma
peça sua no Louvre foi vista por 4
milhões de pessoas, no ano passado-, ele transforma a exposição
também num ato político ao
apresentá-la num espaço fora do
circuito das artes plásticas, um
galpão no Jardim Botânico, que
recentemente tornou-se Centro
Tom Jobim, bancada por sua galeria, a Millan Antonio.
Na nova versão de "Laminadas
Almas", Tunga, 54, cria três espaços: o primeiro onde bailarinos
que trabalham com a coreógrafa
Lia Rodrigues incorporam moscas e rãs, o segundo onde dois
cientistas, os irmãos Thiago e Matheus Rocha Pitta, representam a
vontade do saber, em meio a viveiros de rãs, moscas e larvas, e o
terceiro, um comentário sobre a
metamorfose, com os estudantes.
Com dois livros a serem lançados em breve, Tunga conversou
com a Folha, no Jardim Botânico,
em meio à confusa montagem de
sua obra. Falou de política, censura e, obviamente, arte:
Folha - Realizar essa peça no Jardim Botânico, fora do circuito institucional da arte no Rio, é uma atitude política?
Tunga - É uma atitude política
positiva e negativa. Positiva porque a inserção dessas peças no
Jardim Botânico alcança um público que vem desarmado para esse tipo de exposição. E há um diálogo entre os temas que abordo e
aquilo que se pode chamar de um
jardim, que é um fato cultural.
Agora, o outro lado disso é de
fato uma posição de crítica às instituições que aqui estão. Não há
uma exposição minha há muito
tempo no Rio. Claro que ninguém
é obrigado a fazer exposição minha, mas de uma forma ou de outra meu trabalho vem apresentando uma forma de pensar do Brasil
mundo afora e seria normal que o
público daqui tivesse acesso a esse
modo de pensar. Tenho intenso
diálogo com a arte emergente e
me dei conta que a maioria deles
não tinha estado em contato efetivo com meu trabalho e eu gostaria de estabelecer um diálogo entre minha obra e a obra deles.
Folha - E isso não é função das instituições culturais?
Tunga - Sim, claro. As instituições culturais não têm um programa cultural claro. Elas têm
uma estratégia cultural velada,
sórdida e perversa, na maioria
dos casos. Não é preciso ser perspicaz para lembrar que há dois ou
três anos um trabalho do Nelson
Leirner foi retirado de uma exposição no Museu de Arte Moderna
por um juiz, com a conivência da
direção do museu. É uma brutalidade para o pensamento artístico.
Recentemente aconteceu a mesma coisa em outra instituição.
Uma obra da Márcia X foi retirada porque correntistas do Banco
do Brasil pressionaram a diretoria. Ou seja, há sim uma estratégia, pois são fundações que estão
nas mãos de pessoas que não têm
um projeto cultural, porque não
são capazes de perceber que os artistas refletiram profundamente o
que é o Brasil. Não é à toa que um
pensamento como o do Hélio Oiticica fala de um Brasil possível a
partir da poesia, da arte, e não do
pensamento ideológico, como o
exercido pelas pessoas que ocupam esses cargos.
Além do mais, o modo delas trabalharem não sintoniza com a
forma que exerço minha profissão, ou seja, independente dos departamentos de marketing das
empresas.
Folha - Essa peça exposta no Rio
teve início em São Paulo, há dois
anos...
Tunga - Isso, na galeria Millan.
Era, então, minha peça mais recente, mas que apontava na direção que acho que resgatava algo
de mais antigo em meu trabalho.
Lá havia apenas uma peça central.
Com o tempo, há uma depuração,
e agora há três momentos.
Folha - A peça aborda a dicotomia
natureza e cultura, com o cientista
que se transforma em animal. Por
que esse assunto?
Tunga - Para ser um pouco demagógico, mas nem por isso menos verdadeiro, eu tenho experiência, mundo afora, de referirem-se a um artista que vem do
Brasil, da América do Sul, como
tratando de questões de identidade, da busca de raízes. Eu canso de
fazer a crítica a essas abordagens
dizendo que o Rimbaud já disse
que isso estava errado, que o sujeito moderno era justamente o
sujeito dinâmico. Mas se há uma
questão a se pensar, não é uma
busca de raízes mas de origens. E
essas origens vão também em direção ao fato biológico, por isso
eu uso o fato biológico como metáfora. A metáfora da metamorfose, que aí está presente de forma
evidente, pode ser generalizada e
pode ser um instrumento para refletir uma questão precisa. A situação da cultura global aponta
para uma grande crise relacionada à questão da identidade. O Brasil tem ampla experiência nessa
questão. Pensar isso como quimera é tentar pegar o monstro pela
cabeça.
Folha - Há 30 anos, você trabalha
com a performance, com o corpo
presente...
Tunga - Na arte contemporânea,
interessam as experiências com o
corpo em sua totalidade, não é
apenas o olhar, mas o tato, o olfato, a presença, tudo aquilo que vai
servir de constitutivo do sujeito. A
linguagem corpórea é um dos
momentos da formação dos sentidos do sujeito. Mesmo que ela
não esteja codificada como a visual-verbal, ela pode ser tão bem
elaborada quanto. A presença da
Lia Rodrigues é exatamente para
dar suporte nessa direção. E a performance é como colocar a obra à
disposição da experiência.
Folha - Como é, então, esse trabalho de colaboração, com a Lia Rodrigues, por exemplo. Há liberdade
para os bailarinos criarem, ou sua
direção é precisa?
Tunga - Em minhas colaborações em geral, que são múltiplas e
inúmeras, tenho como princípio
que eu sei o que não quero. O que
eu quero é aquilo que não consigo
descobrir sozinho e aí entra a colaboração. Evidente que há identidade estética e de propósitos
com o Artur Barrio ou o Thiago e
o Matheus Rocha Pitta. Há fraternidade em se trabalhar junto.
Folha - O que motiva você a fazer
arte?
Tunga - Acho que tudo nesse
mundo, essa crise imensa do Ocidente, nos leva a dizer que a arte
ainda é um caminho possível, que
ela é uma trajetória, um modo de
pensar, de transformar a realidade e de lidar com o núcleo do sujeito muito mais intenso, veemente e eficaz do que os outros modos
de construção da linguagem. É
muito mais fácil atingir milhões
de pessoas num show, mas arte
para mim é atingir o sonho e a estrutura simbólica das pessoas. Ela
pode não ser numericamente expressiva, mas tem uma trajetória
de sedimentação nas diversas culturas que mostra que ela é de fato
transformadora.
Laminadas Almas
Quando: performance no sábado, às
19h; de ter. a dom., das 10h às 20h; até
3/6
Onde: Centro Tom Jobim - Jardim
Botânico (r. Jardim Botânico, 1008, Rio
de Janeiro, tel. 0/xx/21/2274-7012)
Quanto: entrada franca
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