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São Paulo, terça-feira, 17 de junho de 2003

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"JOHN BOCK E RIVANE NEUENSCHWANDER"

Artistas usam vida banal para criar regras de unidade

TIAGO MESQUITA
CRÍTICO DA FOLHA

Depois das vanguardas das artes plásticas dos anos 60, como o minimalismo e a pop art, a relação da mão do artista com os objetos que ele manipula tornou-se mais distanciada. Elementos, prontos, saídos de fornos da indústria, foram incorporados de maneira fria. Os objetos chegavam prontos, sem nenhuma marca do trabalho do artista. Cabia a esse articulá-los no espaço dado.
Ao mesmo tempo em que revelava virtualidades, tal procedimento mostrou um risco: um esquematismo frio, no qual o trabalho e o seu projeto mal se distinguiam. Vários artistas tomaram esse excesso de controle como um problema. Os nexos pragmáticos deveriam ser substituídos por uma relação mais sensível.
Rivane Neuenschwander e John Bock, apesar de obterem resultados diferentes, usam de uma estratégia análoga para driblar o risco de rigidez esquemática. Eles também lidam com objetos prontos. Apropriam-se de elementos de uso comum e tentam rearticular sentidos, usando-os como evidência de uma vida do dia-a-dia.
Conhecido por suas performances, o alemão Bock soube aproveitar o caráter promíscuo de uma obra que pode ocorrer em qualquer lugar. Os bonecos que o artista mostra na galeria constroem seu sentido numa unidade dispersiva. São bonecos de corpos meio amorfos, mas cheios de signos identificáveis. Os corpos estão entremeados de móveis. Parecem incorporar os produtos que esses bonecos consomem e as imagens que seus olhos-câmeras vêem.
E tais personagens parecem ser tudo que incorporam, como se somassem aos seus excrementos suas sensações silenciosas e não se identificassem com nada disso. A interação entre os bonecos e o espectador, mais do que criar uma experiência de alteridade, em que os bonecos aludiriam a um sentido exemplar, cria algo mais promíscuo, misturado. Como se os bonecos se constituíssem pelas imagens captadas e se perdessem em nós, numa identidade efêmera, mas pesada e amorfa.
A presença da vida banal, informe e volátil, no trabalho de Neuenschwander, tem outro sentido. Mais lírica, a artista de Belo Horizonte sempre tentou extrair sentido daí. É onde encontra pequenas belezas, que surgem de situações discretas. A artista coloca objetos distintos lado a lado, que alteram a percepção do que aparentemente nos escaparia à vista.
Na galeria Fortes Vilaça, ela propõe um jogo. Faz uma parede cromática de fitas parecidas com as do Senhor do Bonfim, com desejos inscritos. Daí deve-se escrever um desejo num bilhete e trocar por uma fita, realizando uma comunidade de desejos. Dessa forma a relação que a artista buscava com objetos ou animais se estende a um convívio.
Entretanto, tal como a idéia de dispersão em Bock, tal relação se dá por regras estritas. Como no artista alemão, parece ocorrer por um rígido princípio de unidade. As coisas só se perdem tendo um centro como referência.
Desse modo, ambos trabalhos recorrem a uma unidade para garantir a alusão e uma espécie de simbolismo, muito harmonizante. Ficamos nos interrogando se essa fuga de um esquematismo objetivista não corre o risco de escorregar em uma unidade rija.


John Bock e Rivane Neuenschwander  
Onde: galeria Fortes Vilaça (r. Fradique Coutinho, 1.500, Vila Madalena, São Paulo, tel. 0/xx/11/3032-7066)
Quando: de ter. a sex., das 10h às 19h; sáb., das 10h às 17h. Até 28/6
Quanto: entrada franca



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