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"Extremo Sul" documenta o imprevisto
LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma expedição com cinco alpinistas (dois brasileiros, dois argentinos e um chileno) se dirige a
Punta Arenas, onde começa uma
viagem rumo à Patagônia chilena.
O destino desejado é um cume
pouco conhecido: o Sarmiento.
O monte Sarmiento não é tão
famoso quanto o Himalaia ou o
Everest, mas tem uma subida
considerada das mais perigosas.
Isso porque sofre com ventos dos
dois lados, vindos dos oceanos
Atlântico e Pacífico. O lado leste
da montanha, por exemplo, foi
escalado até o topo duas vezes,
enquanto o cume oeste só foi alcançado uma vez, em 1956.
Almejando o lado mais difícil, a
nova expedição foi registrada por
uma equipe de 26 pessoas, encabeçada por Monica Schmiedt e
Sylvestre Campe, e resultou em
"Extremo Sul", que chega hoje a
São Paulo e Porto Alegre -no dia
24, é a vez do Rio de Janeiro.
Schmiedt, com larga experiência em produção, tem aqui seu
primeiro longa. Ela diz que teve a
idéia para o filme ao conhecer a
região. "A Cordilheira dos Andes
tem uma história muito relacionada com a colonização da América, o que me interessa muito."
Pesquisando em museus, descobriu a história do padre Agostinho, "um italiano que viveu por
30 anos em Punta Arenas e tentou
escalar a montanha por três meses. A aventura está descrita num
livro, e ele filmou em 16 mm sua
última expedição. Vi as imagens e
achei que tinha algo ali", conta.
Houve uma clara divisão na hora de filmar: "Tenho uma cabeça
mais logística, de planejadora. O
Sylvestre tem uma agilidade e
uma interação incríveis. Sou mais
do detalhe, ele é de reagir rápido e
estar com a câmera ligada".
Foram dois meses, em fevereiro
e março de 2003, rodando na Patagônia e na Terra do Fogo, seguidos de mais um mês acampados
na base da montanha gelada. Depois o filme levaria mais dois anos
e meio em processo de finalização, a tempo de ficar pronto para
o festival de documentários de
Amsterdã, em novembro passado. Depois participou do Trento
Film Festival (Itália), um dos mais
importantes sobre alpinismo, onde ganhou o prêmio máximo.
Interessada mais no alpinista do
que na montanha, ou mais no homem do que no esporte, a equipe
partiu com os aventureiros para
fazer "um retrato do comportamento humano diante de uma situação de isolamento".
E é esse isolamento e o confronto com a imensidão de gelo a ser
transposta que causa uma reviravolta na trama e o próprio questionamento dos limites de cada
um dos envolvidos. "A gente sempre soube que passaria por um
momento crítico, que seria quando os alpinistas teriam de tomar
decisões, e que seria tenso quando
eles estivessem por muito tempo
expostos àquele clima e àquela
montanha", explica Schmiedt.
"Na crise, resolvemos então
abrir a câmera indiscriminadamente, até para entender o que estava acontecendo. A partir daí
tentamos montar uma colcha de
retalhos que fosse compreensível
para o público. Quando estávamos no monte, não sabíamos o
que estava acontecendo nem que
filme estávamos fazendo. O que a
gente sabia era que aquela vivência valia a pena ser contada. Resolvemos ir até o fim", diz ela.
Isso significou virar personagem do próprio filme. "Não estava nos planos. Mas um documentarista tem de estar apto a se adaptar à realidade, que é sempre mais
surpreendente do que a ficção."
"Extremo Sul" salienta todos os
riscos e as intempéries da produção. "Acompanhamos uma escalada de verdade e sabíamos que o
imprevisto fazia parte do documentário. Isso tudo era o recheio
do bolo do nosso projeto, em que
as pessoas se expõem bastante e
também onde está uma parte da
nossa alma", define Schmiedt.
"Este acabou se transformando
num filme muito perturbador."
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