São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 2005

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"Extremo Sul" documenta o imprevisto

LÚCIA VALENTIM RODRIGUES
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma expedição com cinco alpinistas (dois brasileiros, dois argentinos e um chileno) se dirige a Punta Arenas, onde começa uma viagem rumo à Patagônia chilena. O destino desejado é um cume pouco conhecido: o Sarmiento.
O monte Sarmiento não é tão famoso quanto o Himalaia ou o Everest, mas tem uma subida considerada das mais perigosas. Isso porque sofre com ventos dos dois lados, vindos dos oceanos Atlântico e Pacífico. O lado leste da montanha, por exemplo, foi escalado até o topo duas vezes, enquanto o cume oeste só foi alcançado uma vez, em 1956.
Almejando o lado mais difícil, a nova expedição foi registrada por uma equipe de 26 pessoas, encabeçada por Monica Schmiedt e Sylvestre Campe, e resultou em "Extremo Sul", que chega hoje a São Paulo e Porto Alegre -no dia 24, é a vez do Rio de Janeiro.
Schmiedt, com larga experiência em produção, tem aqui seu primeiro longa. Ela diz que teve a idéia para o filme ao conhecer a região. "A Cordilheira dos Andes tem uma história muito relacionada com a colonização da América, o que me interessa muito."
Pesquisando em museus, descobriu a história do padre Agostinho, "um italiano que viveu por 30 anos em Punta Arenas e tentou escalar a montanha por três meses. A aventura está descrita num livro, e ele filmou em 16 mm sua última expedição. Vi as imagens e achei que tinha algo ali", conta.
Houve uma clara divisão na hora de filmar: "Tenho uma cabeça mais logística, de planejadora. O Sylvestre tem uma agilidade e uma interação incríveis. Sou mais do detalhe, ele é de reagir rápido e estar com a câmera ligada".
Foram dois meses, em fevereiro e março de 2003, rodando na Patagônia e na Terra do Fogo, seguidos de mais um mês acampados na base da montanha gelada. Depois o filme levaria mais dois anos e meio em processo de finalização, a tempo de ficar pronto para o festival de documentários de Amsterdã, em novembro passado. Depois participou do Trento Film Festival (Itália), um dos mais importantes sobre alpinismo, onde ganhou o prêmio máximo.
Interessada mais no alpinista do que na montanha, ou mais no homem do que no esporte, a equipe partiu com os aventureiros para fazer "um retrato do comportamento humano diante de uma situação de isolamento".
E é esse isolamento e o confronto com a imensidão de gelo a ser transposta que causa uma reviravolta na trama e o próprio questionamento dos limites de cada um dos envolvidos. "A gente sempre soube que passaria por um momento crítico, que seria quando os alpinistas teriam de tomar decisões, e que seria tenso quando eles estivessem por muito tempo expostos àquele clima e àquela montanha", explica Schmiedt.
"Na crise, resolvemos então abrir a câmera indiscriminadamente, até para entender o que estava acontecendo. A partir daí tentamos montar uma colcha de retalhos que fosse compreensível para o público. Quando estávamos no monte, não sabíamos o que estava acontecendo nem que filme estávamos fazendo. O que a gente sabia era que aquela vivência valia a pena ser contada. Resolvemos ir até o fim", diz ela.
Isso significou virar personagem do próprio filme. "Não estava nos planos. Mas um documentarista tem de estar apto a se adaptar à realidade, que é sempre mais surpreendente do que a ficção."
"Extremo Sul" salienta todos os riscos e as intempéries da produção. "Acompanhamos uma escalada de verdade e sabíamos que o imprevisto fazia parte do documentário. Isso tudo era o recheio do bolo do nosso projeto, em que as pessoas se expõem bastante e também onde está uma parte da nossa alma", define Schmiedt. "Este acabou se transformando num filme muito perturbador."


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