São Paulo, sexta-feira, 17 de junho de 2005

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CRÍTICA

Homem-morcego se torna um herói da iniciativa privada

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Existe , primeiro, a infância de Bruce Wayne, o futuro Batman: o dia em que caiu num poço cheio de morcegos, a fatídica noite em que os pais foram assassinados em uma Gotham City cheia de problemas sociais.
Depois vem o encontro com Henri Ducard (Liam Neeson), o homem da Liga das Sombras. Ele será seu mestre, ensinando-lhe os princípios filosóficos que, sabemos, são a base das lutas marciais em que Wayne se torna mestre, enrijecendo corpo e espírito.
Em poucas palavras, "Batman Begins" começa com um bocado de psicologia barata e filosofia oriental de almanaque. Podemos desde então esperar pelo pior. Logo a liga bota as manguinhas de fora: sua missão é destruir Gotham City. E por quê? Segundo Ducard, um lugar tão corrompido tem de ser destruído.
Nesse momento, Bruce Wayne percebe que está lidando com um grupo de malucos. Volta a Gotham disposto a usar sua herança para o bem. Mas sua empresa foi usurpada. Tudo está de fato muito corrompido. A única maneira que encontra de lutar para resolver os problemas da cidade é tornando-se Batman -para o que conta com a ajuda de seu fiel mordomo (Michael Caine) e de um cientista (Morgan Freeman).
A partir daí, Batman começa a combater por conta própria o poder da corrupção. O poder público, representado pela promotora Rachel Dawies (Katie Holmes), por sinal namorada de infância de Bruce Wayne, não emplaca uma numa cidade de juízes, policiais e tudo o mais corruptos.
Em síntese, o Batman que nos sugere o diretor e roteirista Christopher Nolan é uma ONG de um homem só, tomando o lugar de um Estado falido. Nolan, um britânico nascido em 1970, parece ter crescido sob a saudável influência de Margaret Thatcher, de maneira que não lhe custa muito entregar a responsabilidade pela cidade para Batman, homem-ONG, que afinal já era dono de mais ou menos tudo mesmo.
É verdade que outros personagens não receberão a idéia com o mesmo entusiasmo, não por serem partidários de um aparelho estatal inchado ou algo assim, mas por pretenderem se aproveitar pessoalmente do mar de lama que cobre Gotham City.
Se considerarmos "Batman" como uma série fechada -à maneira de "Guerra nas Estrelas", este é de agora em diante o exemplar inaugural, em que todas as bases são lançadas. Aquele que, malgrado sua insignificância, poderá, quando sair em DVD com outros, dar ao conjunto um sentido capaz de desvirtuar as molecagens inconformistas de Tim Burton em "Batman" e "Batman, o Retorno" (os seguintes eram apenas empreitadas comerciais).
"Batman Begins" é, no fim das contas, um título a propósito, menos por contar o que seria o início da saga de Batman e mais por estabelecer o privatismo neoliberal como princípio orientador de toda a saga. A outra questão é: ao menos ganha-se algo em termos de aventura? A resposta é: nada. Tirando as piadas britânicas de Michael Caine, sobra muito pouco neste filme.


Batman Begins
Batman Begins
 
Direção: Christopher Nolan
Produção: EUA, 2005
Com: Christian Bale, Michael Caine
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Butantã, Eldorado, Shopping D e circuito


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