São Paulo, sábado, 17 de junho de 2006

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LIVROS

Crítica/ensaio

Relações entre futebol e cinema ganham estudo abrangente

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Depois de décadas de mal-entendidos, hoje parece ponto pacífico que o futebol é uma das mais importantes expressões culturais do Brasil. No entanto, o cinema brasileiro -assim como a literatura e as outras artes, com a possível exceção da música popular- deu relativamente pouca atenção a essa dimensão fundamental da vida do país.
O que mostra o livro "Fome de Bola - Cinema e Futebol no Brasil", do jornalista Luiz Zanin Oricchio, é que essas duas esferas têm se interpenetrado ocasionalmente desde 1907, quando foi feito em São Paulo o primeiro documentário sobre um evento futebolístico.
Dado o pioneirismo de seu livro, para explorar essa zona de intersecção entre o campo de jogo e a tela de cinema, Zanin -que é ao mesmo tempo crítico cinematográfico e cronista esportivo- optou por ser didático e informativo, desenrolando em paralelo a história do futebol e a história do cinema no Brasil, além de mostrar a interação de ambas com a vida social e política do país.
Para usar uma metáfora futebolística, Zanin bateu o escanteio e correu na área para cabecear. Dessa amplitude de propósitos vêm tanto a grande força do livro como suas poucas fraquezas. O grande mérito do autor é não deixar nada na sombra, acumulando o leitor de informações e de conexões entre elas, tudo isso numa prosa que consegue ser relaxada e agradável sem perder a elegância e a precisão conceitual. O problema é que, para o leitor que conhece futebol, algumas informações soam desnecessárias e redundantes. Para o que conhece cinema, são outras as dispensáveis. Zanin preferiu pecar pelo excesso de clareza do que pela obscuridade.
Em razão disso, e do caráter panorâmico da abordagem, vários temas são apenas esboçados, servindo como incentivo a outras obras mais específicas. Alguns exemplos: a natureza singular do futebol praticado no Brasil, a transformação das relações entre os torcedores e o espetáculo, a globalização do esporte e as maneiras como o cinema tem captado isso.
O autor expressa à perfeição a dificuldade de apreender um fenômeno tão complexo e esquivo: "O que é o futebol para o brasileiro? Provavelmente tudo [festa popular, escapismo, alienação, fator de integração social etc.] ao mesmo tempo.
Por isso é tão difícil retratá-lo no cinema, ou em qualquer arte: coloca-se a ênfase em uma faceta, ficam faltando as outras. Tenta-se apanhar o todo, cai-se na dispersão".
Outro problema incontornável num estudo desse tipo é a incidência da subjetividade do estudioso. Só a paixão clubística (pelo Santos) e a admiração por Pelé podem explicar por que Zanin, habitualmente tão ponderado em suas avaliações, parece perder o senso crítico ao falar de um documentário tão problemático (no mau sentido) como "Pelé Eterno".
Mas isso é um senão quase irrelevante numa obra indispensável a todos os que se interessam por cinema, por futebol e pela história social do país.


FOME DE BOLA    
Autor: Luiz Zanin Oricchio
Editora: Imprensa Oficial
Quanto: R$ 9 (200 págs.)


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