São Paulo, sábado, 17 de junho de 2006

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Crítica/humor

De la Peña cria craque sem dois dedos no pé

XICO SÁ
COLUNISTA DA FOLHA

Sei não, esse autor deve ser assim, como é que se diz, um botafoguense. Coisas que só acontecem com alvinegros de General Severiano, se é que você me entende. Coisas que só acontecem com quem viveu, digamos assim, uma certa cordialidade suburbana, caso do escritor de tal volume. Um romancista do tempo em que nós, os ex-pobres, não estávamos obrigatoriamente associados à guerra urbana, à violência.
Em "Vai na Bola, Glanderson!", de Hélio de la Peña, rapaz do "Casseta & Planeta", Paulo Ventania aposta no mercado futuro dos craques. Dublê de procurador, empresário de atleta, olheiro "profissa", sonha em descobrir o ouro de Serra Pelada nos subúrbios cariocas.
Descobrir o cara, o nome do jogo, o novo Fenômeno. Ele está de olho é na Copa de 2014, que será no Brasil se ainda existir.
O bom de Glanderson é que ele, anti-Galvão Bueno, a voz que monopoliza o escrete canarinho na Copa, acredita mais na narrativa do que na real da vida.
Para você que está cansado de ler intelectuais falando de futebol só por causa da Copa, para você que está cansado de ler entrevistas do Roberto da Matta, para você que não agüenta mais esses pernas-de-pau que escrevem e ditam regras, mas não sabem cobrar um lateral... Para você que já entendeu que o vencedor ganha apenas as batatas... Para você que está sem ambiente na alta literatura... o menino Glanderson é a solução.
Na boa, relaxa, Glanderson é apenas um craque sem dois dedos no pé, ciência do acidente, acontece, talvez por isso mesmo tenha um chute fantástico, espécie de "folha-seca" dos tempos modernos.
Sexo?
Também rola no romance.
Vide o capítulo, com licença do maldito trocadilho, assim, com aspas mesmo, "Roleta-Buça".
Ah, sim, se o amigo torcedor, o amigo secador, insistir em ser chato mesmo, à vera, pode até encontrar no livro alguns momentos edificantes, alguma literatura de entretenimento, como tanto pregava José Paulo Paes, poeta e crítico paulista, em momento da vida.
Melhor mesmo é esquecer esse tipo de coisa. Gente, é só mais um divertido livro que sai em ano de Copa. Na dita grande literatura, os acertos, os passes de trivela são raros quando se trata do assunto. Salva-se um aqui outro ali, como o genial André Sant'Anna, autor de "O Paraíso É Bem Bacana" (Companhia das Letras).
Paulo Ventania, o suburbano neoliberal dos tempos de futebol globalizado, não é nem um mané fundamentalista, mas bate um bolão ao emplacar Glanderson numa estupenda equipe latina. Não vou dizer o país nem a divisão que o menino joga para não atrapalhar seu esquema. E haja tiração de onda com o futebol do Rio de Janeiro. Se eu fosse do ramo, diria mais ou menos assim: é a metáfora perfeita do atual momento do ludopédio carioca. Mas esquece a metáfora, vai, isso não cai bem nessa estética de peladeiro. Viva a várzea.


VAI NA BOLA, GLANDERSON!
   
Autor: Hélio de La Peña
Editora: Objetiva
Quanto: R$ 39,90 (218 págs.)


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