São Paulo, quarta, 17 de junho de 1998

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PHILIP GLASS
Peças de "Kundun" dispensam o filme

da Reportagem Local

Fala-se e ainda se falará muito de Philip Glass. Não que ele seja o único e maior arquiteto de linguagens musicais inovadoras.
Mas porque, desde a execução de suas primeiras composições, em 1967, ele consegue criar uma empatia baseada na beleza de seus achados e na maneira sempre diferenciada, mas reconhecível, de tratá-los musicalmente.
O minimalismo, embora ele o negue, continua a ser sua linguagem. Consiste na construção de fragmentos baseados numa extensão sonora reduzida (de um mi ao fá bemol, por exemplo) que se esgotam pela repetição, antes de se transformarem em outro fragmento ligeiramente modificado.
A diferença entre a trilha sonora de "Kundun" e composições mais antigas, como "Music in Twelve Parts" (1974), está na liberdade que Glass passou a ter de por vezes tomar o desenvolvimento da longa sequência minimalista como base sobre a qual se sobrepõem outras frases, outros temas, outros fragmentos de melodia.
Essa música em dois planos- aliás, é mais ou menos como ocorria durante o barroco- permite contrastar de forma bastante peculiar instrumentos e sons (de um lado contrabaixo e fagote, de outro flauta piccolo e oboé), ou partir para sonoridades exóticas, que misturam corno tibetano, celesta, triângulo e marimba.
Nos dois últimos de seus cinco quartetos de cordas (já dos anos 90), a sequência minimalista chega a ter outra função: ela introduz a tonalidade e depois desaparece. Retorna até que a solução de uma dissonância exija a reconstrução da unidade harmônica da peça.
Com a ortodoxia minimalista deixando de existir, a percepção do tempo de duração de determinada peça volta a obedecer às contingências da harmonia clássica. Não se pode interromper de um momento para outro um dos movimentos de "Kundun", o que não ocorria em "Einstein on the Beach", trabalho de há 22 anos.
Glass continua a fazer uma música bem menos "vanguardista" que o atonalismo da Escola de Viena do início deste século e suas sucessoras de também pouco alcance junto ao público. Ele tem afinidades maiores com Stravinsky, não com Alban Berg. O belo é de previsibilidade.
Por fim, as peças que compõem "Kundun" são um magistral aparato sonoro com existência própria. A rigor, dispensam o filme para serem degustadas como objeto de indescritível prazer. (JBN)

Disco: Kundun Quanto: R$ 18 (em média)


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