|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Glass reage ao conservadorismo
Eder Chiodetto/Folha Imagem
|
O compositor Philip Glass, autor da trilha sonora do filme "Kundun"
|
Autor da trilha sonora de 'Kundun', novo filme de Scorsese, diiz que ainda se considera um compositor inovador
|
JOÃO BATISTA NATALI
da Reportagem Local
Philip Glass, 61, compositor norte-americano que, nos anos 70, introduziu na música o minimalismo, está de volta ao mercado discográfico com o lançamento da
trilha sonora de "Kundun".
O filme, dirigido por Martin
Scorsese e ainda inédito no Brasil,
critica a China ao narrar os primeiros anos (1937-1959) da vida
do Dalai Lama no Tibete.
O trabalho de Glass, espécie de
poema sinfônico épico em 18 movimentos, chegou a ser indicado
para o Oscar de melhor trilha original. Perdeu para "Titanic".
Eis os principais trechos de sua
entrevista à Folha.
Folha - Pode haver algo essencialmente político na música?
Philip Glass - A música em si
não é nunca política. Mas ela pode
assumir esse papel no teatro, na
ópera ou num filme que tenha
uma mensagem politizada. Já tive
experiências nesse sentido, antes
de compor a trilha de "Kundun".
Em "Satyagraha" (ópera, 1980),
que narra a vida de Ghandi, ou em
"The Voyage" (ópera, 1992), sobre o imaginário do descobrimento da América, a música se moldou
ao tema central, adquirindo impacto sobre as idéias políticas.
Folha - Há alguma relação entre
esse "impacto" e o fato de a música ser estruturalmente avançada,
pouco conformista?
Glass - Sempre espero que a
música possa ser compreendida
assim. Em "Kundun", identifiquei-me com a problemática religiosa e social abordada. Estava claro também, para mim, que o filme
era uma oportunidade de divulgar
isso. A parte formal da música veio
a partir dessa motivação.
Folha - Como foi seu trabalho
com Scorsese? Não é frustrante
compor uma trilha que necessita
de "x" circunstâncias dramáticas
com "y" durações?
Glass - Nesse caso específico,
isso não ocorreu. Comecei a compor antes que o filme fosse rodado.
Utilizei o roteiro como utilizaria
um libreto de ópera. Scorsese conheceu a trilha durante as filmagens. A montagem coincidiu com
minhas decisões de encurtar ou
prolongar trechos. Trabalhamos
organicamente, o que foi bom, entre maio de 96 e outubro de 97.
Folha - A crítica musical achou
que "Kundun", por sua sofisticação, mereceria o Oscar de melhor
trilha, no lugar de "Titanic".
Glass - Elogios à minha música
foram feitos, e me senti premiado.
Mas "Titanic" foi um empreendimento comercial de tamanho porte que dificilmente deixaria de levar esse Oscar também.
Folha - Sentiu-se um derrotado?
Glass - Senti-me desde o início
vitorioso, porque foi uma composição que me deixou feliz.
Folha - O conceito de vanguarda
musical ainda teria sentido hoje?
Glass - Há 20 anos se produziam experiências mais radicais.
Não encontro mais o radicalismo
dos anos 60 ou 70. A razão é, a meu
ver, até simples. Nenhum público
deixa de sucumbir a duas décadas
de TV medíocre, como nos EUA. A
comercialização excessiva esvaziou a cabeça das pessoas.
Folha - Suas composições mais
antigas assustam então os jovens?
Glass - Exatamente. Quando
mostro a pessoas com 20 anos meu
"Einstein on the Beach" (ópera,
1976), elas ficam perplexas. Não
acreditam que se tenha ido tão longe naquela época. Estamos hoje
atravessando um período de profundo conservadorismo estético.
Folha - O sr. também não seria
hoje mais conservador?
Glass - Sou um dos criadores de
uma nova linguagem. Não preciso,
a rigor, provar mais nada. Mesmo
assim, sinto que estou sempre explorando novos territórios. O que
me desespera é ver compositores,
com 40 anos a menos que eu, que
adotam uma linguagem conservadora quando poderiam estar tentando mudar o mundo.
Folha - Recentemente, um grupo
de jovens compositores franceses
disse que era o momento de uma
"harmonia mais amigável", com a
reintrodução da melodia.
Glass - É o que está ocorrendo.
O problema é que essas "novas
idéias" chegam com um atraso de
25 anos. Há uma procura pela aceitação. No início de minha carreira,
fui vilipendiado. Estava à frente do
consenso musical.
Folha - Em qual direção a música
contemporânea está rumando?
Glass - Há fenômenos novos.
Primeiro, o impacto das tecnologias recentes. Eu e Bob Wilson estamos trabalhando, por exemplo,
numa animação tridimensional.
Há ainda uma integração entre
criadores de várias linguagens
num mesmo espetáculo. Há, por
fim, compositores que trabalham
nas fronteiras de diversos gêneros
musicais, como o pop ou o jazz.
Folha - Seu público não mudou
nesses 25 anos, daqueles que gostavam de world music (o nome
ainda não existia) para os que gostam de música de concerto?
Glass - É verdade. Mas é igualmente preciso, para pessoas como
eu, fugir um pouco das expectativas. Nos anos 70, se eu dissesse para alguém que fazia música de vanguarda, essa pessoa saberia, com
90% de chances, do que se tratava.
Hoje, é difícil saber o que determinado compositor está fazendo
quando ele utiliza um termo para
se qualificar.
Folha - Mas qual o peso, nesse
processo, do mercado?
Glass - Há algo de perigoso
acontecendo. Com a força do marketing, o embrulho se tornou mais
importante que o produto.
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
|