São Paulo, quarta, 17 de junho de 1998

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LIVRO
Elmore Leonard é Tarantino da literatura

Reprodução
O escritor Elmore Leonard, que está lançando "Bandidos" pela Record


EDSON FRANCO
Editor de Veículos

Filha de um milionário do petróleo, freira norte-americana ajuda uma nicaraguense a fugir dos sandinistas e a leva para Nova Orleans, onde ambas são ajudadas por um ex-modelo, ex-presidiário e atual agente funerário.
Estranho é um adjetivo insuficiente para qualificar essa trama, delineada nas primeiras páginas de "Bandidos", livro do norte-americano Elmore Leonard, 72, lançado pela editora Record.
Dono de um estilo que privilegia os diálogos, o escritor produz livros sob medida para o cinema. Para dar uma idéia, seu romance "Get Shorty" rendeu o filme "O Nome do Jogo" (1995). "Ponche de Rum" virou "Jackie Brown", atualmente em cartaz.
Autor predileto de Quentin Tarantino, diretor de "Jackie Brown", Leonard faz com a pena o que o cineasta faz com a câmera.
Diálogos cortantes e inconclusivos. Personagens errantes, porém bem definidos. Fios de meada que se dispersam e se agrupam ao longo da obra. Ação frenética.
Para dar pistas de como compor um romance policial coeso com esses elementos, Leonard falou à Folha por telefone, de sua casa em Detroit, norte dos EUA.

Folha - O que vem primeiro, a trama ou os personagens?
Elmore Leonard -
Os personagens vêm primeiro. "Bandidos", por exemplo, começou com leituras que fiz sobre os "contras" da Nicarágua levantando fundos nos EUA. A partir disso, pensei sobre quem poderia estar exposto a eles. Achei que a freira seria uma boa idéia. Foi como tudo começou.
Folha - Além da freira, há agentes funerários, militares sandinistas e vigaristas na trama. Como foi o trabalho de pesquisa?
Leonard -
Visitei funerárias. Acompanhei todo o processo de preparação de um corpo. Colecionei recortes de jornal sobre o que os "contras" faziam na Nicarágua. Fui a Dublin para ver se havia alguma conexão entre o IRA (Exército Republicano Irlandês) e os sandinistas. Aproveitei a visita e anotei expressões irlandesas.
Folha - E os vigaristas?
Leonard -
Esses não precisei pesquisar. Eu costumo receber cartas de presidiários, mas não aprendo nada com elas.
Isso porque eles escrevem curiosos sobre como eu consigo descrever tão bem seus pensamentos e ações. Alguns dizem que é impossível escrever como eu sem ter passado uma temporada preso.
Folha - Os diálogos emprestam o alicerce para suas tramas. Como o senhor os compõem?
Leonard -
Eu os escuto na minha cabeça. Antes de escrever uma cena, fico imaginando sob o ponto de vista de qual personagem a história será mais bem contada.
E, quando dois personagens conversam, tudo pode acontecer. Quando estou escrevendo, eu nunca sei o que irá acontecer no capítulo seguinte.
Folha - "Bandidos" faz uma crítica aberta à posição dos EUA no caso Irã-"contras" (guerrilheiros apoiados pelos EUA) .
Leonard -
É verdade. Acho que a origem de tudo foi errada. Os EUA têm um talento histórico para ficar do lado errado.
Quando pensávamos que os EUA estavam ajudando Cuba, tudo o que o país fazia era abrir caminho para os negociantes.
Folha - Como o senhor se define politicamente?
Leonard -
Não sou adepto dos republicanos nem dos democratas. Mas, definitivamente, sou mais liberal do que conservador.
Folha - O senhor costumava ler os autores de romances policiais que o antecederam?
Leonard -
Só comecei a ler romances policiais bem tarde. Li Dashiell Hammett e Raymond Chandler, mas não fui influenciado de maneira nenhuma por eles. Minha maior influência é (Ernest) Hemingway. Ele fazia o ato de escrever parecer simples demais. Tomei emprestado dele a prosa cheia de diálogos e o hábito de manter no nível mínimo as descrições.
Folha - O sr. aprovou o que Tarantino fez com "Ponche de Rum"?
Leonard -
Amei "Jackie Brown". Logo após ter filmado "Cães de Aluguel", Tarantino procurou meu agente para comprar os direitos de "Ponche de Rum". Mas, antes de "Pulp Fiction", ele estava sem dinheiro. Meu agente sugeriu que deixássemos o livro reservado para Tarantino. Três anos depois, meu agente o procurou. A Miramax, empresa que distribui seus filmes, adquiriu os direitos do livro. Tarantino já comprou três outros livros meus.
Folha - O senhor está trabalhando em algum novo romance?
Leonard -
Acabei de terminar um chamado "Be Cool", sequência de "O Nome do Jogo". É uma história cheia de gaiatos que rodeiam um produtor de banda de rock.



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