São Paulo, quarta, 17 de junho de 1998

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ARTES PLÁSTICAS
Basquiat encarna Deus e o diabo

CELSO FIORAVANTE
da Reportagem Local

A Pinacoteca do Estado, em sua sede no Ibirapuera, inaugura hoje a maior mostra de obras do norte-americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988) já vista no Brasil.
Não é a primeira vez que o país vê sua obra, como afirma Antônio Angarita, secretário de Estado da Cultura, em texto que abre o belo catálogo da mostra, mas é a mais completa e abrangente.
São Paulo viveu, em outubro de 1996, uma "febre Basquiat", quando o artista protagonizou, com sete telas, uma sala no núcleo histórico da Bienal e uma mostra de desenhos na galeria Luisa Strina. Também era o personagem principal do filme "Basquiat", de Julian Schnabel.
O hype era apenas um amostra daquilo que o artista viveu em seus curtos, mas intensos, 28 anos de vida e nove de produção artística. Morreu vítima de um coquetel de heroína e cocaína.
Com uma escritura livre, cores intensas e imagens violentas, Basquiat encarnou rapidamente o que de melhor e o que de pior a arte poderia produzir nos anos 80.
Sua obra foi intensa em todos os sentidos.
Consciente de sua condição de negro e da necessidade de torná-lo protagonista, o artista produziu uma obra coerente e íntima, em que trabalhou com ícones da cultura norte-americana e com referências autobiográficas: a paixão pela música (jazz, hip-hop, rap), as raízes afro-americanas (máscaras africanas, danças tribais), a efervescência das ruas de Nova York e seus heróis negros.
Basquiat possui rigor temático, consciência do espaço, identidade no traço de seu desenho e subtexto político e social. Suas obras são, por exemplo, grandes representantes do momento de afro-latinização de Nova York ocorrido nos anos 70.
Da mesma forma que dissecou corpos, para apresentá-los como ossos e entranhas, também destrinchou a anatomia da cidade e da sociedade para apresentar seus problemas, como a exploração do homem pelo homem (principalmente o negro pelo branco).
Também foi intenso numericamente, chegando a produzir para um único ano, 1983, obras para quatro mostras individuais e 17 coletivas, o que resultou em sua inevitável inflação no mercado.
A mostra na Pinacoteca traz um pouco dessas duas faces do artista. Apresenta obras que evidenciam autodefinição cultural, orgulho racial, revolta social e talento artístico, mas também rabiscos que só podem ser encarados como produção artística graças à ganância de um mercado inconsequente, como o dos yuppies anos 80.
Vale ainda lembrar que grande parte das obras pertence ao próprio curador da mostra, Enrico Navarra.


Mostra: Jean-Michel Basquiat (100 desenhos e 30 pinturas) Onde: Pinacoteca do Estado, no parque Ibirapuera (av. Pedro Álvares Cabral, s/n, tel. 011/571-1009, acesso pelo portão 10) Vernissage: hoje, às 19h Quando: de terça a domingo, das 11h às 17h. Até 23 de agosto Quanto: R$ 5 e R$ 2 (estudante); grátis às quintas-feiras e para menores de sete anos e maiores de 65 Patrocinadores: Cesp e Sabesp


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