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São Paulo, quinta-feira, 17 de julho de 2003

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CRÍTICA

Elogio prevalece sobre rigor em obra sobre o artista

FELIPE CHAIMOVICH
CRÍTICO DA FOLHA

O "Portinari", de Antonio Bento, é canto do cisne. Representa a posição final da escola modernista que viu, no pintor de Brodósqui, confirmada expectativa de um modernismo brasileiro de valor internacional. Mas o elogio ao homenageado predomina sobre o rigor metodológico.
O livro foi publicado pela primeira vez em 1980. Despedia-se do poder o grupo que, desde 1937, controlara os destinos de nossa cultura oficial dentro dos ministérios: a escola do Patrimônio Histórico. Além de Portinari, ligaram-se a ela Rodrigo Melo Franco de Andrade, Mário de Andrade, Manuel Bandeira, Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Burle Marx e Carlos Drummond de Andrade. Tal é a genealogia proposta pela apresentação de Afonso Arinos de Melo Franco, ligando até mesmo o crítico Antonio Bento ao time. Nessa escola se construiu o mito de Portinari, que passou a protagonizar o herói do modernismo nacional.
Antonio Bento assume a posição oficial de modo acrítico: "Se no período colonial Aleijadinho foi nosso maior artista, coube a Portinari um papel análogo no século 20" (p.23). Desde então, o livro descreve a trajetória estética do "Miguel Ângelo brasileiro" em termos da mistura entre expressionismo, cubismo e barroco, vanguarda internacional e identidade brasileira.
O discurso de Antonio Bento apóia-se na autoridade como amigo de Portinari: "Dentre os críticos brasileiros em atividade hoje, fui desde cedo um dos mais ligados ao pintor" (p.33).
Por um lado, o autor permite-se rechear o livro de diálogos reproduzidos de memória, alegando familiaridade com a vida do biografado. A estratégia dá um tom romanesco ao ensaio.
Por outro, compila vastíssimo material anedótico de interesse histórico. O episódio dos painéis "Guerra" e "Paz" (1955), feitos para a sede da ONU em Nova York, é dissecado para evidenciar o confronto entre as convicções de Portinari e os interesses da Guerra Fria em solo norte-americano.
O autor defende a permanência da obra de Portinari contra ameaças como o abstracionismo. Mobiliza a arte pop, a Documenta de Kassel de 1972 e a fotografia em defesa do realismo portinariano.
Falta estrutura às partes 4, 5 e 6, havendo episódios repetidos e divagação. A reedição do livro pelo Projeto Portinari reconhece a dívida da memória do artista com a mítica modernista nacional.


Portinari  
Autor: Antonio Bento
Editora: Leo Christiano
Quanto: R$ 300 (398 págs.)



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