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LITERATURA
Organizada por Alexei Bueno, obra compila poemas em língua portuguesa escritos desde o século 17 até hoje
Antologia traça histórico da poesia pornô
MÁRVIO DOS ANJOS
DA REPORTAGEM LOCAL
O poeta Alexei Bueno, 41, já
alentava há anos a idéia de uma
"Antologia Pornográfica", que
lança agora. "Desde o contato que
tive com as obras de Bocage na
adolescência, venho lendo e mapeando tudo o que encontro de
qualidade no gênero. É óbvio que
nunca se consegue uma visão de
tudo, ainda mais nessa área, clandestina por natureza", afirma.
Censura e autocensura sempre
afligiram os poemas pornográficos. Alguns foram escondidos pelos próprios autores, outros marginalizados pela poesia "séria" ou
pela repressão de cada época.
Perto da morte, até o maior poeta pornô da língua portuguesa,
Manuel Barbosa du Bocage (1765-1805), arrependeu-se, pedindo
que rasgassem seus versos.
Dadas as dificuldades, "Antologia Pornográfica" é um raro panorama da lira sacana luso-brasileira do século 17 até hoje. Do barroco Gregório de Matos ao atual
Glauco Mattoso, ambos brasileiros, passando por lusos, como o
quase esquecido Antônio Lobo de
Carvalho (século 18), e improváveis, como Manuel Bandeira, são
21 poetas que repartem entre si
uma estética peculiar, ainda que
próxima do erótico e do satírico.
"O pornográfico se sabe pornográfico, é uma postura voluntária.
O erótico pode ser uma espécie de
"no man's land" entre o amoroso e
o pornográfico, mas sempre nasce, quando é autêntico, de um desejo intrínseco de expressão. O
pornográfico quer escandalizar.
O satírico anda de braços dados
com o gênero, mas o puramente
satírico nada tem a ver com o pornográfico, obrigatoriamente."
O critério que elimina os poemas eróticos são a justificativa de
Bueno para a ausência de autoras
na "Antologia Pornográfica".
"Há centenas de poetas que escrevem poesia erótica, muito freqüentemente abominável, ou
poemas sobre sexo. Pornografia é
outra coisa, e quase sempre coisa
de homem", observa Bueno.
Os poemas discorrem sobre elogios ao falo ("porripotente herói"), façanhas sexuais e perversões. Usam tanto palavrões atuais
como termos que pararam no
tempo, como marsapo (pênis),
langonha (esperma) e courão
(prostituta idosa) -explicados
em glossário ao fim do livro.
A partir do século 20, a poesia
pornô chega a novas temáticas:
renova-se em paródias, como o
"Canto do Puto", que corrói o "I-Juca Pirama" do romântico Gonçalves Dias, ou a versão hardcore
para os célebres "Versos Íntimos"
do pré-modernista Augusto dos
Anjos, ambas de Paulo Veloso.
Juntam-se também outras taras,
como o gosto por rapazes do português Antônio Botto (1902-1959), e a podolatria (por pés), de
Glauco Mattoso.
"Nosso tempo aceita qualquer
coisa, vivemos a morte do escândalo. Para divulgá-la [a poesia
pornográfica] é mais adequado
do que qualquer outro", afirma
Bueno, recordando, no entanto,
que algumas livrarias quiseram
envolver o livro em plástico, devido à foto da primeira página, que
data de 1855. "O título é claro,
abre quem quer, mas alguns caretas tiveram a pudicícia de se incomodar em vender", diz.
"Imaginação desbragada"
Mas não se pense que o gênero
"baixo" dispensa engenho e arte.
"Há obras-primas absolutas. Trata-se de uma poesia livre de muitas das constrições estéticas e sobretudo sociais de cada época",
afirma Bueno. "Se a técnica e o
humor estão muitos presentes, é
preciso ressaltar também uma
imaginação desbragada, criadora
de hipérboles quase surrealistas."
O poeta Glauco Mattoso acredita que é o leitor erudito quem melhor aproveita a poesia pornô: "O
consumidor comum procura a
pornografia nos filmes e nas revistas. Quem procura a obscenidade expressa literariamente tem
espírito cultivado. Afinal, a poesia
é um biscoito fino, não? O que importa é que esteja ao alcance".
"Há, sem dúvida, poetas cuja
parte pornográfica é a que mais
interessa, como Laurindo Rabelo,
e outros que praticamente não
têm outra", diz Bueno.
ANTOLOGIA PORNOGRÁFICA.
Organização: Alexei Bueno. Editora:
Nova Fronteira. Quanto: R$ 32.
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