São Paulo, sábado, 17 de julho de 2004

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LITERATURA

Organizada por Alexei Bueno, obra compila poemas em língua portuguesa escritos desde o século 17 até hoje

Antologia traça histórico da poesia pornô

MÁRVIO DOS ANJOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O poeta Alexei Bueno, 41, já alentava há anos a idéia de uma "Antologia Pornográfica", que lança agora. "Desde o contato que tive com as obras de Bocage na adolescência, venho lendo e mapeando tudo o que encontro de qualidade no gênero. É óbvio que nunca se consegue uma visão de tudo, ainda mais nessa área, clandestina por natureza", afirma.
Censura e autocensura sempre afligiram os poemas pornográficos. Alguns foram escondidos pelos próprios autores, outros marginalizados pela poesia "séria" ou pela repressão de cada época.
Perto da morte, até o maior poeta pornô da língua portuguesa, Manuel Barbosa du Bocage (1765-1805), arrependeu-se, pedindo que rasgassem seus versos.
Dadas as dificuldades, "Antologia Pornográfica" é um raro panorama da lira sacana luso-brasileira do século 17 até hoje. Do barroco Gregório de Matos ao atual Glauco Mattoso, ambos brasileiros, passando por lusos, como o quase esquecido Antônio Lobo de Carvalho (século 18), e improváveis, como Manuel Bandeira, são 21 poetas que repartem entre si uma estética peculiar, ainda que próxima do erótico e do satírico.
"O pornográfico se sabe pornográfico, é uma postura voluntária. O erótico pode ser uma espécie de "no man's land" entre o amoroso e o pornográfico, mas sempre nasce, quando é autêntico, de um desejo intrínseco de expressão. O pornográfico quer escandalizar. O satírico anda de braços dados com o gênero, mas o puramente satírico nada tem a ver com o pornográfico, obrigatoriamente."
O critério que elimina os poemas eróticos são a justificativa de Bueno para a ausência de autoras na "Antologia Pornográfica".
"Há centenas de poetas que escrevem poesia erótica, muito freqüentemente abominável, ou poemas sobre sexo. Pornografia é outra coisa, e quase sempre coisa de homem", observa Bueno.
Os poemas discorrem sobre elogios ao falo ("porripotente herói"), façanhas sexuais e perversões. Usam tanto palavrões atuais como termos que pararam no tempo, como marsapo (pênis), langonha (esperma) e courão (prostituta idosa) -explicados em glossário ao fim do livro.
A partir do século 20, a poesia pornô chega a novas temáticas: renova-se em paródias, como o "Canto do Puto", que corrói o "I-Juca Pirama" do romântico Gonçalves Dias, ou a versão hardcore para os célebres "Versos Íntimos" do pré-modernista Augusto dos Anjos, ambas de Paulo Veloso. Juntam-se também outras taras, como o gosto por rapazes do português Antônio Botto (1902-1959), e a podolatria (por pés), de Glauco Mattoso.
"Nosso tempo aceita qualquer coisa, vivemos a morte do escândalo. Para divulgá-la [a poesia pornográfica] é mais adequado do que qualquer outro", afirma Bueno, recordando, no entanto, que algumas livrarias quiseram envolver o livro em plástico, devido à foto da primeira página, que data de 1855. "O título é claro, abre quem quer, mas alguns caretas tiveram a pudicícia de se incomodar em vender", diz.

"Imaginação desbragada"
Mas não se pense que o gênero "baixo" dispensa engenho e arte. "Há obras-primas absolutas. Trata-se de uma poesia livre de muitas das constrições estéticas e sobretudo sociais de cada época", afirma Bueno. "Se a técnica e o humor estão muitos presentes, é preciso ressaltar também uma imaginação desbragada, criadora de hipérboles quase surrealistas."
O poeta Glauco Mattoso acredita que é o leitor erudito quem melhor aproveita a poesia pornô: "O consumidor comum procura a pornografia nos filmes e nas revistas. Quem procura a obscenidade expressa literariamente tem espírito cultivado. Afinal, a poesia é um biscoito fino, não? O que importa é que esteja ao alcance".
"Há, sem dúvida, poetas cuja parte pornográfica é a que mais interessa, como Laurindo Rabelo, e outros que praticamente não têm outra", diz Bueno.


ANTOLOGIA PORNOGRÁFICA.
Organização: Alexei Bueno. Editora: Nova Fronteira. Quanto: R$ 32.



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