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A CRÍTICA
Personagens garantem divertimento cínico
BIA ABRAMO
especial para a Folha, de Berkeley
Se o insucesso de "Godzilla"
nos EUA pode ser explicado em
parte pelo fato de o único herói de
verdade ser um francês, no Brasil,
pela infelicidade na escolha da
época de lançamento, o filme deve
sofrer pela mesmíssima razão: não
deve ter muita gente por aí disposta a torcer para francês algum.
Não nesse momento.
"Godzilla" não fracassou por
não ter enredo ou porque os personagens são fracos ou por mostrar situações inverossímeis. Isso
não chega a constituir problema
para esses filmes-eventos, os candidatos a "blockbusters" do verão norte-americano. Na verdade,
torna-se muito mais problemático
quando esse cinema-montanha-russa tenta enfiar uma historieta qualquer goela abaixo do espectador, vide "Impacto Profundo" ou "Armageddon": resulta,
via de regra, em chatice enfeitada
por efeitos visuais e sonoros.
A dupla Roland Emmerich (diretor) e Dean Devlin (produtor e
roteirista) é adepta da simplificação máxima, parente do desenho
animado e da história em quadrinhos. Tanto "Independence
Day" quanto "Godzilla" são filmes para criança ou para quem
preserva a capacidade infantil de
ser surpreendido pelo óbvio.
Em "Godzilla", uma monstra
verde vai para Nova York, quer
matar todo mundo e ainda por cima dar cria, então os heróis matam o monstro-mãe e os monstrinhos-filhos. Fim da história.
"Godzilla" acerta justamente
quando acentua suas características mais toscas. É como se a dupla
Emmerich-Devlin despojasse o filme-vertigem de todos os seus
acessórios e almejasse uma espécie
de grau zero da elaboração. Não
importa a improbabilidade nem o
fato de que os efeitos especiais já
tenham sido vistos. Como em desenho animado, a violência é puramente gráfica: tudo explode,
mas não se vêem cadáveres.
Só que faltou a "Godzilla" um
elemento fundamental para qualquer filme desse tipo: herói. Com
um vilão daquele tamanho, com
aquela potência destruidora -e
que ameaça não apenas destruir
Nova York, mas acabar com a espécie humana-, fazia-se necessário um herói da mesma estatura,
se não física, pelo menos moral.
Quer dizer, tem o agente do serviço secreto francês Phillippe
(Jean Reno), mas, para além do
chauvinismo americano, talvez seja um personagem fora dos padrões demais para um filme desse
tipo. O agente não é vaidoso, não
faz bravata. Trabalha nas sombras.
E o fato de o único herói mais
convincente não ser americano
torna-se ainda mais grave em contraste com os candidatos a herói
norte-americanos: são todos, de
alguma outra forma, perdedores.
O biólogo Niko Tatopoulos
(Matthew Broderick) é bonzinho,
inteligente e tudo, mas meio tonto. A aspirante a repórter de TV
Audrey (Maria Pitillo) mente, engana e rouba para se dar bem (e o
pior é que nem assim consegue).
Os militares são carniceiros sem
cérebro, o prefeito é venal e assim
por diante. Ninguém está lá muito
apto a salvar a humanidade. Por
descuido ou por cálculo, o "Godzilla" de Emmerich-Devlin acaba
por ser cinicamente divertido.
Filme: Godzilla
Produção: EUA, 1998
Direção: Roland Emmerich
Com: Matthew Broderick, Jean Reno
Quando: a partir de hoje, nos cines
Ipiranga 1, SP Market Cinemark 3, Interlar
Aricanduva Cinemark 12 e circuito
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