São Paulo, sexta, 17 de julho de 1998

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

A CRÍTICA
Personagens garantem divertimento cínico

BIA ABRAMO
especial para a Folha, de Berkeley

Se o insucesso de "Godzilla" nos EUA pode ser explicado em parte pelo fato de o único herói de verdade ser um francês, no Brasil, pela infelicidade na escolha da época de lançamento, o filme deve sofrer pela mesmíssima razão: não deve ter muita gente por aí disposta a torcer para francês algum. Não nesse momento.
"Godzilla" não fracassou por não ter enredo ou porque os personagens são fracos ou por mostrar situações inverossímeis. Isso não chega a constituir problema para esses filmes-eventos, os candidatos a "blockbusters" do verão norte-americano. Na verdade, torna-se muito mais problemático quando esse cinema-montanha-russa tenta enfiar uma historieta qualquer goela abaixo do espectador, vide "Impacto Profundo" ou "Armageddon": resulta, via de regra, em chatice enfeitada por efeitos visuais e sonoros.
A dupla Roland Emmerich (diretor) e Dean Devlin (produtor e roteirista) é adepta da simplificação máxima, parente do desenho animado e da história em quadrinhos. Tanto "Independence Day" quanto "Godzilla" são filmes para criança ou para quem preserva a capacidade infantil de ser surpreendido pelo óbvio.
Em "Godzilla", uma monstra verde vai para Nova York, quer matar todo mundo e ainda por cima dar cria, então os heróis matam o monstro-mãe e os monstrinhos-filhos. Fim da história.
"Godzilla" acerta justamente quando acentua suas características mais toscas. É como se a dupla Emmerich-Devlin despojasse o filme-vertigem de todos os seus acessórios e almejasse uma espécie de grau zero da elaboração. Não importa a improbabilidade nem o fato de que os efeitos especiais já tenham sido vistos. Como em desenho animado, a violência é puramente gráfica: tudo explode, mas não se vêem cadáveres.
Só que faltou a "Godzilla" um elemento fundamental para qualquer filme desse tipo: herói. Com um vilão daquele tamanho, com aquela potência destruidora -e que ameaça não apenas destruir Nova York, mas acabar com a espécie humana-, fazia-se necessário um herói da mesma estatura, se não física, pelo menos moral.
Quer dizer, tem o agente do serviço secreto francês Phillippe (Jean Reno), mas, para além do chauvinismo americano, talvez seja um personagem fora dos padrões demais para um filme desse tipo. O agente não é vaidoso, não faz bravata. Trabalha nas sombras.
E o fato de o único herói mais convincente não ser americano torna-se ainda mais grave em contraste com os candidatos a herói norte-americanos: são todos, de alguma outra forma, perdedores.
O biólogo Niko Tatopoulos (Matthew Broderick) é bonzinho, inteligente e tudo, mas meio tonto. A aspirante a repórter de TV Audrey (Maria Pitillo) mente, engana e rouba para se dar bem (e o pior é que nem assim consegue).
Os militares são carniceiros sem cérebro, o prefeito é venal e assim por diante. Ninguém está lá muito apto a salvar a humanidade. Por descuido ou por cálculo, o "Godzilla" de Emmerich-Devlin acaba por ser cinicamente divertido.

Filme: Godzilla Produção: EUA, 1998 Direção: Roland Emmerich Com: Matthew Broderick, Jean Reno Quando: a partir de hoje, nos cines Ipiranga 1, SP Market Cinemark 3, Interlar Aricanduva Cinemark 12 e circuito



Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.