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"Calabar" tem lirismo e sensualidade nos versos
da Reportagem Local
A edição de "Calabar, o Elogio
da Traição", que a Civilização
Brasileira lança agora como parte
de um projeto de publicar a obra
de Chico Buarque de Hollanda,
traz uma antiga declaração do autor. "Meu trabalho sempre foi
muito ligado ao teatro."
Muito ligado, de fato. Desde a
primeira canção, considerada pelo
próprio Chico Buarque a sua estréia na música, "Tem Mais Samba", composta para "Balanço de
Orfeu" em 1964, até a entrada dos
anos 90, foram 18 espetáculos.
Compôs para musicais propriamente, para tragédias, dramas e
comédias, para infantis, dança-teatro, auto de natal. Quase
sempre por encomenda, como é
próprio do teatro.
Grande parte de sua discografia
é derivada de trabalhos compostos
para o palco. Adolescente, já compunha pequenas "operetas" com
a irmã e cantora Miúcha, para
apresentar em casa -como ator.
É um grande compositor do teatro, um poeta do palco, mais do
que dramaturgo. Não é diferente
nisso de um contemporâneo seu,
o maior compositor americano de
musicais nestas últimas três décadas, Stephen Sondheim.
Em "Calabar" e nas demais que
escreveu além de compor ("Roda
Viva", "Gota D'Água", "Ópera
do Malandro"), é nos diálogos
cantados que se vislumbra a grande arte de Chico Buarque. O lirismo, o erotismo, as rimas ricas.
Também as melodias simples,
límpidas. No dizer de Décio de Almeida Prado, em crítica de 65 sobre "Morte e Vida Severina", de
João Cabral de Melo Neto, que
Chico Buarque musicou: "A música de Chico Buarque de Hollanda, música de teatro, de imediata
comunicabilidade".
"Calabar" se inspira na "traição" de Domingos Fernandes Calabar, um mulato que lutou ao lado dos portugueses contra a invasão holandesa de 1630/45 e depois
mudou de lado.
A peça parte daí, mas se ocupa é
de Bárbara, que amou e hoje chora
Calabar, já morto. Busca o amante
nos braços do traidor do próprio
Calabar, Sebastião do Souto, e da
prostituta Anna de Amsterdã.
Bárbara esforça-se por entrar,
também ela, no mundo da traição
de Calabar. Sua sensualidade e
paixão, neste ambiente propositadamente sem contornos nacionais
e morais claros, é que fazem de
"Calabar" uma boa peça.
Uma canção, ou melhor, um
diálogo musical é especialmente
belo. Bárbara canta para Anna como se esta, no seu devaneio, fosse
Calabar, e Anna responde, apaixonada, ela sim, por Bárbara
-em meio a rimas como vadia/hemorragia e cruas/duas.
Mas não tem só o lirismo e a sensualidade dos versos de Chico
Buarque, a peça. "Calabar" tem
uma prosa em pastiche brechtiano, sobretudo no economicismo
que envolve as diferenças das colonizações holandesa e portuguesa.
Além de, como escreveu um dia
Caetano Veloso, querer falar "pelas frestas", contra a censura, o
regime militar, o que já soa fora de
lugar, anacrônico.
(NS)
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