São Paulo, Sábado, 17 de Julho de 1999
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DISCO - CRÍTICA
Cássia paga os pecados do padre Marcelo e cia.

Divulgação
A cantora Cássia Eller, que está lançando "Com Você...Meu Mundo Ficaria Completo", em que interpreta vários compositores


da Reportagem Local

A Universal Music lançou a axé music, tem o Chitãozinho e o Xororó e aposta na aeróbica do senhor. Bem, alguém tem de pagar os pecados do padre Marcelo Rossi e companhia, e nessa hora é só chamar a Cássia Eller.
Depois a roqueira-mãe Rita Lee -também do elenco Universal- faz o favor de vender sua imagem e sua honra àquele negócio chamado Telefônica, e dá vontade de perguntar: onde é que está a Cássia Eller?
Bem, aí ela aparece e aí se sabe que ainda existe música e que ainda existe rock e que ainda existe política. Mas mais ou menos. O projeto de suavização da imagem de Cássia, aparentemente alheio a ela própria, cabe num Brasil esquisito, em que as fronteiras estão se diluindo e tudo está ficando despriorizado.
Se o projeto é tornar Cássia Eller mais acessível e, por consequência, vir a vender os milhões que ainda não vendeu, há aí um certo desrespeito pela imagem que a artista veio criando até aqui. É um equívoco.
Dos pouquíssimos seres políticos a se insurgirem contra algum tipo de preconceito no Brasil de muitos anos -tente imaginar Herbert Vianna ou Paulo Ricardo lutando contra um preconceitozinho-, Cássia foi de pouquinho em pouquinho se impondo, fazendo mais e mais pessoas ouvirem seu discurso sexual e musical agressivo.
Conquistou quase 200 mil fãs por disco, o que é uma fábula para uma personagem como ela. É ganância boba querer multiplicar tanta conquista de supetão.
"Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo" é um discão, provavelmente o mais bem produzido e coeso de sua carreira.
Mas o novo disco tem produção careta, daquelas que espalham zabumbas e orquestras de cordas para seduzir o povão. Cordas são afetivas por natureza, mas as cordas do "Acústico MTV" (97) dos Titãs (ou seja, do produtor Nando Reis) não são as cordas de "Negro É Lindo" (71), de Jorge Ben (que, aliás, não deve ter vendido muito).
Falando ainda de cordas, "O Segundo Sol" é uma grande canção -ainda que o filho Chicão torça o nariz para seu comercialismo, que se sustenta mais pela contundência do canto (suavizado) de Cássia do que pela "delicadeza" do arranjo.
"Maluca", de Luiz Capucho, a outra canção de cordas, é talvez o grande momento do CD, mas não exatamente pelas cordas. São belas as canções de Caetano ("Gatas Extraordinárias", de tratamento tipo Black Rio, como Caetano faria em 1981) e de Gil ("Pedra Gigante", embelezada ainda mais pelo canto rascante da mãe de Cássia e também pelo de Cássia), mas não são tão belas como a "Maluca" de (quem?) Luiz Capucho.
Até há pouco cantora marginalizada, Cássia está muito mais dentro de si ao apontar para um cara novo, desconhecido, com fibra de compositor, do que ao se integrar ao repertório de ex-revolucionários que hoje se tornaram senhores conservadores. Revolucionária hoje tem sido ela, avançando vários passos além de Gal e Bethânia,
O perigo, agora, é que ela se torne uma grande (talvez "a" grande) cantora brasileira sem alma, mesmo perigo em que Marisa Monte, que divide com ela o empresário, se balança há vários anos. De seu posto, Cássia guarda a peculiaridade de ser a feliz mulher branca que canta como negra, uma autêntica "black singer".
Por isso "Esse Filme Eu Já Vi", de Luiz Melodia e Renato Piau, e o soul à Stevie Wonder, "Infernal", de Nando Reis, dão conta do recado. Por isso "Mapa do Meu Nada", do black Carlinhos Brown, é um espanto, mesmo ela cantando que "dedo deduz, dedo é dez se é dois".
Por isso "Aprendiz de Feiticeiro", de Itamar Assumpção, não acontece, desvirtuado que é pelo arranjo caricatural. Por isso temas brancos demais, como as baladas de Nando e os rocks de Marisa Monte, ficam à beira da estrada.
O Brasil está esquisito. Agora deu de produzir grandes discos mais ou menos, como este. Poxa, Cássia Eller, para que ficar dando ouvidos demais a altos empresários e executivos yuppies quando se tem o Chicão -e a Eugênia- dentro de casa? (PAS)


Avaliação:    


Disco: Com Você... Meu Mundo Ficaria Completo Artista: Cássia Eller Lançamento: Universal Quanto: R$ 18, em média

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