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500 ANOS
Greca recebe "hino" de Chitãozinho e Xororó
"Chacrinha" do
Planalto exalta
neocaipirismo
FERNANDO DE BARROS E SILVA
da Reportagem Local
O ministro Rafael Greca (Esporte e Turismo) está se transformando numa espécie de Chacrinha do governo Fernando Henrique Cardoso. É assim que é visto e
chamado em conversas reservadas por muitos colegas na Esplanada dos Ministérios. Ao contrário, porém, do que pregava e fazia
Abelardo Barbosa, Greca se comunica e se trumbica.
A mais recente confusão armada pelo ministro chama-se "500
Anos". Trata-se de uma música
encomendada no início de fevereiro à dupla neo-sertaneja Chitãozinho e Xororó (leia a letra
abaixo), apresentada na semana
passada como "hino" para embalar as comemorações oficiais
quinto centenário do Descobrimento. Consta que Greca chorou
ao ouvi-la pela primeira vez, ao
telefone.
Contrariados, os demais membros do comitê interministerial
responsável pela organização da
comemoração dos 500 anos
(Francisco Weffort, da Cultura,
Luiz Felipe Lampreia, das Relações Exteriores, e Andrea Matarazzo, da Comunicação Social)
apenas silenciaram. Houve gritaria, mas vinda do meio artístico,
que ridicularizou a iniciativa.
Só com sua cria, Greca tratou de
defendê-la a seu estilo. Primeiro
afirmou que "mais vale uma música de Chitãozinho do que um ciclo inteiro de conferências sobre o
assunto". A seguir, antes de sair
em licença médica e se isolar ao
longo da semana num spa do Paraná, seu Estado, recuou, deixando com assessores o recado de
que o "hino" seria só uma música
entre muitas que o ministério encomendou e espera receber.
A emenda, no entanto, pode
sair pior que o soneto neocaipira
arquitetado em Brasília. A dupla
Tinoco e Tinoquinho foi à TV esta
semana apresentar seu próprio
"hino". Antonio Carlos e Jocafi
também já teriam enviado a sua
música a Greca e, segundo uma
de suas assessoras, até o grupo
pop Skank teria manifestado interesse em compor sua música.
Planejada inicialmente pelo Itamaraty para ser uma comemoração à sua imagem, discreta e de
teor reflexivo, como aliás costuma agradar aos tucanos, a festa
dos 500 anos vai se folclorizando
de modo estridente e desandando
antes mesmo de começar. A polêmica foi instalada. E ultrapassou
os gabinetes de Brasília.
Segundo o historiador e crítico
José Ramos Tinhorão, famoso pela defesa da trincheira nacionalista na MPB nos anos 60, toda essa
confusão se caracteriza "por níveis superpostos de bobagem".
Por um lado, diz ele, "há preconceito de classe na condenação
dos neo-sertanejos. A porcaria
deles faz sucesso e pelo menos a
matéria-prima é nacional. Os roqueiros que protestam no fundo
fazem a mesma droga facilitária e
com matéria-prima importada".
Por outro lado, ironiza o crítico,
autor da "História Social da Música Brasileira" (Editora 34, 98),
"não há por que ficar incomodado; os militares também pediram
marchinhas ufanistas para Don e
Ravel (autores de "Eu Te Amo,
Meu Brasil"), e o Greca é muito
apropriado para essa função de
animador cultural. Tem até o
"physique du rôle", gordinho, engraçado, falante. Eu prefiro um
brincalhão a uma múmia séria,
como o Weffort" -provoca.
Procurado diariamente pela Folha desde segunda-feira, Greca
avisou na quinta-feira por meio
de assessores quer não iria falar
sobre o assunto. Respondendo
interinamente pela pasta, a secretária-executiva de Greca, Teresa
Castro, braço direito do ministro
na política há 11 anos, afasta a
comparação com os militares.
"Uma das tragédias desse período foi que nos roubou a possibilidade de sermos ufanistas sem culpa. Acho que hoje não precisamos
mais de psiquiatra. É preciso despertar a auto-estima desse povo,
mostrar que temos glórias importantes, o que não significa que não
temos problemas para resolver",
diz a ministra-interina, rebatendo
as críticas por Greca.
É exatamente a discussão dos
problemas do Brasil que o escritor
e antropólogo Antonio Risério vê
abandonada pela atitude do governo. "Não tenho nada contra
Chitãozinho e Xororó, mas não
discuto nesses termos. Esse governo não tem política para a cultura; o Fernando Henrique transferiu a reflexão sobre os 500 anos
a um imbecil, quando seria o momento de discutir qual é o nosso
projeto de civilização", afirma.
"Vocês em São Paulo chamam
de penetra o sujeito que vai a uma
festa sem conhecer o aniversariante. É o caso do Greca, ele não
conhece o Brasil, é um marketeiro. Em termos baianos, que são os
meus, digo que ele está mais para
Nizan Guanaes do que para Glauber Rocha", completa Risério.
Igualmente furioso, o sociólogo
Gilberto Felisberto Vasconcelos
(que prefere ser identificado como "professor de folclore" da
Universidade Federal de Juiz de
Fora, MG, por considerar que
Fernando Henrique "avacalhou"
sua profissão), acusa o governo de
aproveitar os 500 anos para veicular "uma visão pândega e espetaculosa da cultura".
Segundo ele, a música de Chitãozinho e Xororó "não tem nada
a ver com folclore; é uma miscelânea de John Travolta com falsificação paraguaia, uma expressão
baixa de populismo".
Vasconcelos vê na opção de
Greca por Chitãozinho e Xororó
uma identificação com a cultura
do vencedor: "quem vende, quem
tem dinheiro, quem está no mercado sempre tem razão, essa é a
mensagem do governo ao país".
O acorde dissonante no debate
parte do músico Luiz Tatit, ex-líder do grupo Rumo e professor
de linguística na USP. Manifestando compreensão pelo gênero
acolhido por Greca, Tatit diz que
"a música sertaneja acabou dando conta de um conteúdo afetivo,
passional, uma solicitação recorrente na cultura brasileira".
Segundo ele, "essa música, com
suas melodias vocálicas lentas,
traduz uma busca por afeto que
pertence à dicção da cultura musical brasileira. No caso, trata-se
da necessidade de cantar o amor à
pátria, mesmo que a gente não
goste". É o amor, como diriam
Zezé Di Camargo e Luciano.
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