São Paulo, sexta-feira, 17 de agosto de 2001

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TEATRO

Montagem concorrida no Central Park tem Meryl Streep, Kevin Kline e Philip Seymour Hoffman

"De graça", "A Gaivota" em NY sai por US$ 130

SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK

Madonna? Michael Jackson? "The Producers"? Esqueça. O ingresso mais quente e disputado deste verão nova-iorquino é o de uma peça escrita em 1896 pelo dramaturgo Anton Tchecov (1860-1904) sobre um grupo de russos infelizes que se encontram na propriedade rural de um deles.
Desde o dia 26 último e pelo menos até o final do mês, um elenco hollywoodiano liderado por Meryl Streep vem fazendo das exibições da peça "A Gaivota", no meio do Central Park, o espetáculo de mais sucesso entre a centena em cartaz na cidade.
O passe começa a ser distribuído às 13h do dia do espetáculo e teoricamente é gratuito. Desde que você se disponha a enfrentar uma fila de até 15 horas, que começa a ser formada às 22h do dia anterior em frente ao Public Theater, no sul de Manhattan, ou na porta do próprio Delacorte Theater, no meio do parque.
Provando que o despachante não é prerrogativa brasileira nem herança exclusiva da colonização portuguesa, pequenas empresas de fundo de quintal floresceram em torno do evento.
Por um ingresso para um dia de semana, cobram-se US$ 130, ou US$ 30 por hora que um estudante em férias ou um aspirante a ator recebe para ficar na fila por você, mais o lucro do atravessador.
Foi o que este repórter teve de gastar para conseguir assistir à montagem. Se vale a pena?
Vale, pelo privilégio de ver em ação Philip Seymour Hoffman, um dos atores mais talentosos de sua geração.
Você pode não estar ligando o nome à pessoa: no cinema, foi o amigo esnobe de "Talentoso Ripley", o masturbador de "Felicidade", o crítico Lester Bangs de "Quase Famosos".
No teatro, o nova-iorquino de 34 anos esteve ótimo como um dos irmãos de "True West", de Sam Shepard, que encenou no ano passado na Broadway, e mostrou outra faceta de suas habilidades ao dirigir o modesto espetáculo "Jesus Hopped the A-Train", num pequeno teatro do East Village há alguns meses.

Século 19
"Gaivota" começa com dia ainda claro e um bem-humorado locutor explicando as consequências nefastas de um celular ligado (eletrocução é uma delas) e pedindo que você imagine estar na Rússia do século 19, mesmo que os aviões rumo ao aeroporto JFK teimem em continuar passando no céu do teatro ao ar livre.
É a deixa para entrarem em cena nomes mais conhecidos do público de cinema do que do frequentador habitual da Broadway. Meryl Streep é Arkadina, Kevin Kline, seu amante, Trigorin. Ambos vão visitar o filho dela, Konstantin (Seymour Hoffman), que mora no campo com o tio, Sorin (Christopher Walken).
Lá vivem o capataz Shmrayev (John Goodman) com a mulher e a filha, Masha (Marcia Gay Harden), além da jovem Nina (Natalie Portman). A direção é de Mike Nichols, também do cinema ("Lembranças de Hollywood", "Uma Secretária de Futuro").
Involuntariamente, Meryl Streep interpreta com trejeitos de grande atriz decadente a grande atriz decadente que é seu papel. Da mesma maneira, Natalie Portman está insegura e amedrontada como a aspirante a atriz insegura e amedrontada. Destaca-se no elenco feminino apenas a oscarizada Marcia Gay Harden, excelente como a rejeitada Masha.
Christopher Walken e John Goodman são, respectivamente, Christopher Walken e John Goodman, não exatamente um elogio em se tratando de um drama ambientado na Rússia do século 19.
Mas a noite é de Kevin Kline, o escritor medíocre que seduz Nina, além do próprio Hoffman, o personagem central, alter ego de Tchecov como o jovem dramaturgo incompreendido, passional e apaixonado.
E do insuperável Tom Stoppard, que adaptou essa versão da peça mais difícil da tetralogia do russo, composta ainda por "Tio Vânia", "As Três Irmãs" e "O Jardim das Cerejeiras".
Por incongruente que possa parecer, já que se trata de um Tchecov, "A Gaivota" no Delacorte Theater faz parte do já tradicional evento anual "Shakespeare in the Park", criado por Joseph Papp, o fundador do Public Theater de Nova York.
Está fazendo tanto sucesso que deve chegar à Broadway para uma temporada de oito semanas a partir de novembro.
O preço do ingresso: US$ 100.



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