São Paulo, sexta-feira, 17 de agosto de 2001

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CRÍTICA

Dominic Sena tenta impor irrealidade de obra pedante

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

É possível dividir os filmes em duas categorias: os que participam da indústria cultural e os que não participam. Nenhuma é, em princípio, melhor ou mais honesta do que a outra.
Existe ainda uma terceira categoria: os que fingem estar de um lado e estão de outro. É desta que fazem parte os filmes de Dominic Sena, como "Kalifornia" (1993) ou, agora, "A Senha - Swordfish".
Tudo começa com um rápido discurso de Gabriel Shear/John Travolta, supercriminoso que se tem na conta de cineasta, onde ele faz a crítica do filme industrial americano e de sua irrealidade.
Isso feito, Dominic Sena parece se sentir liberado para impor aos espectadores toda a irrealidade do mundo. Pode-se até ignorar a intriga rocambolesca, em que os personagens ora parecem ser uma coisa, ora outra e que pode ser resumida assim: Gabriel alicia o ex-super-hacker Stanley (Hugh Jackman) para que ele quebre alguns códigos de computador secretos.
Gabriel promete a Stanley, por intermédio da bela Ginger (Halle Berry), uma fortuna em dinheiro -dinheiro com o qual poderá lutar pela guarda de sua filha. Mas os métodos dele não são lá muito delicados, de modo que entre ser aliciado por ele e ser sequestrado não há grande diferença. Gabriel é como o demônio na Terra. Passa fogo sem pestanejar em quem se põe entre ele e seus objetivos.
É o espaço do "thriller" de ação -e bem convencional. Um supercriminoso articulando um supercrime; um herói (ou semi-herói), Stanley, encrencado com polícia, bandidos e ex-mulher; uma mocinha (ou bandida?) ambígua, além de sedutora compulsiva -parece saída de um filme de James Bond. No meio, considerações sobre o amor paterno etc.
Estamos perto de uma "Máquina Mortífera", por exemplo, com a diferença que este vende honestamente, ou quase, duas horas de distração à platéia.
Dominic Sena não. Embala seu peixe recorrendo a Sidney Lumet e seu clássico policial "Um Dia de Cão" (ao qual faz referência o discurso inicial de Gabriel), sem contar as citações de outros filmes inseridas ao longo da história.
No entanto -e como "Kalifornia"- "A Senha - Swordfish" se limita à estetização rasteira da violência. Como num "Máquina Mortífera" ou similar, há pilhas de explosões, assassinatos, perseguições automobilísticas, esforçados tiras do FBI. O que "Swordfish" não tem é a inocência industrial.
Dominic Sena vende violência disfarçada de reflexão com ares cultos sobre a violência e o "realismo cinematográfico". A esses ares não poderia faltar, é claro, a figura de um senador corrupto, mandante dos crimes de Gabriel.
Se Gabriel é um vilão tão poderoso assim, o espectador pode se perguntar por que ele trabalharia para o senador. A resposta é tão óbvia quanto o conjunto do filme: em dado momento, Gabriel eliminará o patrão em três tempos.
A resposta, no caso, serve para o conjunto: trata-se de um roteiro frouxo, que supõe embromar o espectador à custa de ser enrolado (e de nos fazer tropeçar a cada instante em diálogos subliterários), dirigido com mão de chumbo. Resumindo: Dominic Sena está para o cinema americano como Peter Greenaway para o inglês: é pedante e vazio.

A Senha: Swordfish
Swordfish
 
Direção: Dominic Sena
Produção: EUA, 2001
Com: John Travolta, Hugh Jackman
Quando: a partir de hoje nos cines Anália Franco, Astor, Ipiranga e circuito



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