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CRÍTICA
Dominic Sena tenta impor irrealidade de obra pedante
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
É possível dividir os filmes
em duas categorias: os que
participam da indústria cultural e
os que não participam. Nenhuma
é, em princípio, melhor ou mais
honesta do que a outra.
Existe ainda uma terceira categoria: os que fingem estar de um
lado e estão de outro. É desta que
fazem parte os filmes de Dominic
Sena, como "Kalifornia" (1993)
ou, agora, "A Senha - Swordfish".
Tudo começa com um rápido
discurso de Gabriel Shear/John
Travolta, supercriminoso que se
tem na conta de cineasta, onde ele
faz a crítica do filme industrial
americano e de sua irrealidade.
Isso feito, Dominic Sena parece
se sentir liberado para impor aos
espectadores toda a irrealidade do
mundo. Pode-se até ignorar a intriga rocambolesca, em que os
personagens ora parecem ser
uma coisa, ora outra e que pode
ser resumida assim: Gabriel alicia
o ex-super-hacker Stanley (Hugh
Jackman) para que ele quebre alguns códigos de computador secretos.
Gabriel promete a Stanley, por
intermédio da bela Ginger (Halle
Berry), uma fortuna em dinheiro
-dinheiro com o qual poderá lutar pela guarda de sua filha. Mas
os métodos dele não são lá muito
delicados, de modo que entre ser
aliciado por ele e ser sequestrado
não há grande diferença. Gabriel é
como o demônio na Terra. Passa
fogo sem pestanejar em quem se
põe entre ele e seus objetivos.
É o espaço do "thriller" de ação
-e bem convencional. Um supercriminoso articulando um supercrime; um herói (ou semi-herói), Stanley, encrencado com polícia, bandidos e ex-mulher; uma
mocinha (ou bandida?) ambígua,
além de sedutora compulsiva
-parece saída de um filme de James Bond. No meio, considerações sobre o amor paterno etc.
Estamos perto de uma "Máquina Mortífera", por exemplo, com
a diferença que este vende honestamente, ou quase, duas horas de
distração à platéia.
Dominic Sena não. Embala seu
peixe recorrendo a Sidney Lumet
e seu clássico policial "Um Dia de
Cão" (ao qual faz referência o discurso inicial de Gabriel), sem contar as citações de outros filmes inseridas ao longo da história.
No entanto -e como "Kalifornia"- "A Senha - Swordfish" se
limita à estetização rasteira da
violência. Como num "Máquina
Mortífera" ou similar, há pilhas
de explosões, assassinatos, perseguições automobilísticas, esforçados tiras do FBI. O que "Swordfish" não tem é a inocência industrial.
Dominic Sena vende violência
disfarçada de reflexão com ares
cultos sobre a violência e o "realismo cinematográfico". A esses ares
não poderia faltar, é claro, a figura
de um senador corrupto, mandante dos crimes de Gabriel.
Se Gabriel é um vilão tão poderoso assim, o espectador pode se
perguntar por que ele trabalharia
para o senador. A resposta é tão
óbvia quanto o conjunto do filme:
em dado momento, Gabriel eliminará o patrão em três tempos.
A resposta, no caso, serve para o
conjunto: trata-se de um roteiro
frouxo, que supõe embromar o
espectador à custa de ser enrolado
(e de nos fazer tropeçar a cada instante em diálogos subliterários),
dirigido com mão de chumbo.
Resumindo: Dominic Sena está
para o cinema americano como
Peter Greenaway para o inglês: é
pedante e vazio.
A Senha: Swordfish
Swordfish
Direção: Dominic Sena
Produção: EUA, 2001
Com: John Travolta, Hugh Jackman
Quando: a partir de hoje nos cines
Anália Franco, Astor, Ipiranga e circuito
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