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Sumo dos diálogos permanece
CYNARA MENEZES
DA REPORTAGEM LOCAL
"Memórias Póstumas" se
parece tanto com o livro que
começa e termina do mesmo
jeito. Quanto ao miolo, a
obra de Machado de Assis
parece ter sido espremida
para retirar o sumo dos diálogos -muitas vezes, a frase
em si é integralmente transposta para a película, com
um sucesso inegável diante
da platéia, apesar dos anos.
Nessa condensação, personagens e episódios desapareceram, é verdade. E o
"humanitismo" de Quincas
Borba mal preservou sua seiva. Mas as passagens de tempo são idênticas: do enterro
do "defunto autor" para seu
nascimento; da infância dele, pulando a escola, para a
adolescência; daí para a idade adulta, praticamente evitando a faculdade, que no filme chega a ter atenção
maior do que no livro.
A história da menina manca é um paradoxo. Se hoje
soa politicamente incorreto
dizer "por que bonita, se coxa?", é fato que o público se
diverte a valer com o humor
negro de Machado. Depois,
também, com a surdez da
mãe de Virgília, eterna amada de Brás Cubas. No livro,
ela tem seu problema apresentado de passagem. No filme, é motivo de troça.
Outro momento engraçado é o acesso de tosse do pai
de Brás, roubado no filme a
outro personagem do livro,
o Viegas, que não aparece na
história filmada por Klotzel.
A apropriação é feliz na película, porque, como não se
sabia a razão no livro da agonia do personagem, a tosse
lhe cai bastante bem.
Mas a grande virtude do
filme são mesmo os diálogos, adaptados por José Roberto Torero. É delicioso escutar coisas preciosas como
"bem-aventurados os que
não descem, porque deles é
o primeiro beijo das moças".
Ou: "Marcela amou-me durante 15 meses e 11 contos de
réis". Outras, da lavra de Torero, tampouco fazem feio.
E é claro que "aquela" frase
está lá. Onde? Ao estilo de
Brás Cubas, não direi; "tenham paciência!". Como no
livro de Machado, é preciso
chegar ao final para ouvi-la.
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