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CRÍTICA
Intenção didática reduz contundência da obra
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Se o "Brás Cubas" de Júlio
Bressane (1985) só pode ser
compreendido por quem já conhece o livro de Machado de Assis, o "Memórias Póstumas" de
André Klotzel parece ter sido concebido para os que não o leram.
Seria um exagero e uma injustiça dizer que se trata meramente
de um resumo ilustrado do romance, mas o fato é que a intenção didática é o que mais salta aos
olhos nessa nova adaptação.
Amparado numa produção impecável -em que se destaca a primorosa direção de arte de Adrian
Cooper-, Klotzel realizou um filme leve, elegante, ocasionalmente
divertido, sempre agradável, muito bem dirigido e interpretado.
Entretanto o impacto (ou a falta
dele) que "Memórias Póstumas"
causa no espectador é o oposto simétrico do impacto causado pelo
romance em seu leitor. Não é fácil
entender o porquê desse fenômeno, mas uma pista talvez seja o diferente papel do narrador nas
duas obras (livro e filme), sobretudo na relação com o público.
Com a melhor das intenções de
fidelidade, talvez Klotzel tenha
caído numa armadilha ao mimetizar o procedimento narrativo de
Machado, fazendo seu Brás Cubas (Reginaldo Faria) falar diretamente ao espectador. Ocorre que
a metalinguagem do romance
muda de sentido ao ser transposta
de forma tão mecânica para a tela.
O que no livro era provocação
ao leitor, no limite da insolência,
adquire no filme um caráter conciliatório, quase anestésico.
O narrador de Machado desconcerta o leitor com sua volubilidade de tom e de ritmo (conforme
notou Roberto Schwartz). O de
Klotzel, ao contrário, serve ao espectador como um guia que lhe
mastiga o enredo e apara as arestas do relato, criando continuidade onde havia fragmentação e redundância onde havia surpresa.
E a redundância é inimiga do
humor, o que explica por que algumas das passagens mais engraçadas do livro (como a do Cubas
menino delatando o beijo do doutor Villaça em dona Eusébia) tornam-se algo insossas no filme.
Outra coisa: ao destacar a vida
amorosa do protagonista, sobretudo sua relação com Virgília,
Klotzel sacrificou, em parte, a caracterização de Cubas como encarnação da cínica e covarde elite
brasileira, a um tempo burguesa e
escravista. Isso não anula os grandes acertos, como a bela sequência do delírio do personagem, que
se inspira em Méliès, mas lembra
irresistivelmente Fellini.
Memórias Póstumas
Direção: André Klotzel
Produção: Brasil, 2000
Com: Reginaldo Faria, Petrônio Gontijo
Quando: a partir de hoje nos cines
Cinearte, Interlagos, Sala UOL e circuito
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