São Paulo, sexta-feira, 17 de agosto de 2001

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CRÍTICA

"Amor pra Recomeçar" é calculado, mas tem entusiasmo

DA REPORTAGEM LOCAL

Quando se ouve pela primeira vez "Amor pra Recomeçar" (que nominho, hein?), ele parece um disco muito cuidadoso, muito calculado, muito moldado por um artista que está em franco processo de transição e não pode prever como será seu futuro.
O CD começa com "Som e Fúria", rock-isca para fisgar os fãs de sempre do Barão Vermelho. Mesmo com um dedilhado MPB à Marisa Monte no fundo do rock, a faixa cumpre os clichês de juventude do rock'n'roll. Mesmo engenhosa ("não adianta levar o mundo nas costas"), a letra de Bruno Levinson acomoda clichês velhos (o rock, sua fúria...) e novos (a modinha sonsa de Nick Hornby e seus seguidores). Todo mundo está convidado.
A primeira faixa finge que o disco não será muito ousado, e de fato o que vem a seguir não há de provocar nenhum grande sobressalto nos veteranos em Barão Vermelho. Por isso e pelo cálculo que o envolve, as intervenções contemporâneas têm as bordas polidas CD afora.
As baladas são baladas, os rocks são rápidos e a produção de Max de Castro em "Mais que Perfeito" e "Sol de Domingo" serve para adequar Frejat a modelos antigos da soul music e do movimento black Rio que a algo mais contemporâneo ou inovador.
Um trunfo se dá ao pé da tradição, quando Frejat canta com convicção (embora nem sempre bem) naquele registro que o coloca num ponto de sonho entre Cazuza e Angela Ro Ro. Sempre deu certo assim, hoje dá mais que nunca -os belos semblantes de Cazuza e Ro Ro apimentam a tranquilidade madura de Frejat.
Cuidadoso e ressabiado, o disco dispõe bem em seu centro, na dobradura entre as faixas sete e oito, o máximo de ousadia a que Frejat se permite em sua estréia solo.
A oito, "Ela", é uma parceria dele com Lenine e Arnaldo Antunes. Não é ousada na forma musical, mas dá ao CD um patamar de sofisticação quando Frejat pronuncia, emocionado, os versos tensos de Antunes. Mas o coice formal já se deu na música sete, "Mão de Obra Ilegal" (produção de Max com Tom Capone, chefe da empreitada), o grande momento do álbum. A letra de Mauro Santa Cecília atualiza "O Meu Guri", de Chico Buarque, e acomoda poesia e coloquialismo, sutileza e crueza ("o meu irmão morreu/ meu primo se fodeu/ a minha mãe pariu/ e o meu pai sumiu") no trato estranho de temática social.
Se ali está o pico, num indicativo do que se pode tornar a tal carreira solo de Frejat, o vale de "Amor pra Recomeçar" é repleto de árvores, riachos e violinos. Sem ousadia, Frejat se confirma como um homem em pleno domínio da melodia, que sabe imprimir a ênfase exata de cada frase musical.
É o que se extravasa de pegajosas baladas soul-blues-pop quase sempre infectadas de cordas como "Homem Não Chora" (sim, o tema é careta, mas, sim, a sinceridade é comovente), a faixa-título, "No Escuro e Vendo" (parceria dele com Marisa Monte e Arnaldo Antunes), "Você se Parece com Todo Mundo" (de 84, do Barão ainda com Cazuza), até a rapidinha "Quando o Amor Era Medo".
Ouvindo-se várias vezes "Amor pra Recomeçar", ele continua parecendo calculado, cuidadoso. Parece não ter som e fúria na medida espertamente prometida pela faixa de início. Mas que transborda de sinceridade, entusiasmo e faro melódico, ah, isso sim.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Amor pra Recomeçar    
Artista: Frejat
Lançamento: Warner
Quanto: R$ 25, em média



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