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Contrariar a lógica
Single do SPC com Gloria Estefan atinge 9º lugar na parada da revista "Billboard"; Alexandre Pires quer chegar a inédito 1 milhão no exterior
LUÍS PEREZ
da Reportagem Local
Esta é a história de amigos da
rua, da bola de gude, do taco, do
futebol. A cidade: Uberlândia
(MG). Alguns foram servir o
Exército. Outros, trabalhar.
Os pais dos irmãos Alexandre e
Fernando não eram mais músicos. Vendiam roupas. Nos finais
de semana, faziam um som em
casa para distrair os amigos.
Um dos amigos tocava cavaquinho. Ele bebeu demais e esqueceu
o instrumento na casa. Alexandre, na época com 14 anos, costumava acompanhar as rodas de
samba tocando um balde.
Gostou do cavaquinho. Começou a "arranhar" o instrumento.
Reuniu o irmão Fernando -que
até então queria ser jogador de futebol-, o primo e outros amigos
da rua. Começaram a tocar.
Assim surgiu o Só Pra Contrariar, SPC, grupo que completa dez
anos no próximo domingo, dia
19. "Desde o começo, o SPC já era
conhecido na cidade. Fazíamos
bailes e ganhávamos uma graninha pra comprar pipoca, sanduíche. Tudo começou assim", conta
o vocalista e líder do grupo, Alexandre Pires do Nascimento, 23.
Na semana passada, o SPC aparecia em 9º lugar na principal parada de singles dos EUA, a da revista "Billboard" -e como a canção latina que mais posições havia
avançado na parada-, com
"Santo, Santo", dueto com a cantora Gloria Estefan, uma cubana
que se refugiou nos EUA.
Para Alexandre, "é apenas o começo" do que ele espera alcançar
neste ano em que o SPC está apostando mais na carreira internacional. "Nosso primeiro disco em
espanhol alcançou 500 mil cópias.
Até aí já foi um fato inédito."
"Santo, Santo" seria incluída em
português no CD brasileiro do
grupo, lançado em abril, mas não
houve tempo -no próximo mês,
uma nova tiragem deve incluir a
canção, só que em português.
"A música está estouradíssima
na Espanha, na Argentina. Acabei
de chegar de Porto Rico, onde a
gente recebeu um disco de ouro."
Agora sua idéia é fazer do SPC
-que se apresenta de hoje a domingo, no Olympia, em São Paulo- o maior nome da música
brasileira no exterior, com 1 milhão de cópias vendidas.
Empresários artísticos dizem
que Alexandre nasceu "virado para a lua". Seu primeiro disco vendeu 500 mil cópias. O penúltimo,
de 1997, ultrapassou a marca de 3
milhões.
É um êxito que faz com que o
mineiro, de fala mansa e leve sotaque, assuma para alguns ares de
arrogância. No fundo, ele encara
tudo como uma espécie de vitória
contra o preconceito.
Lembra ter sido parado duas vezes por blitze da polícia, em São
Paulo, segundo ele por ser negro,
mesmo após já ter feito sucessos
no início da carreira, como "A Barata", "Essa Tal Liberdade" e
"Que Se Chama Amor".
"Uma vez o garçom de um restaurante, que não me reconheceu,
perguntou se eu era jogador de
futebol ou cantor de pagode.
Quer dizer que negro não pode
ser dentista ou executivo?"
Nesta entrevista, concedida no
início da semana, o cantor Alexandre fala sobre as ambições do
Só Pra Contrariar.
Folha - Vocês recebem prêmios no exterior e aqui poucos
ouvem falar. O que acontece?
Alexandre Pires - A gente sempre teve uma filosofia de trabalhar
em silêncio, pensando em evoluir,
crescer. O Só Pra Contrariar hoje
é o maior nome da música brasileira fora do país e aqui ninguém
fala. Ficamos chateados às vezes.
Existe um respeito muito grande com o trabalho da gente pelos
profissionais da imprensa lá fora.
Aqui acho que acontece o famoso preconceito ao samba. Se fosse
outro estilo, não seria assim. Não
temos mágoa, até porque aqui
não precisamos provar nada para
ninguém. Precisamos provar lá.
É um trabalho sacrificante. Todo mês estamos visitando um
país. Acho que não existe um artista que trabalhe tanto quanto o
SPC. É de segunda a segunda.
A MPB é muito respeitada, com
astros como Milton Nascimento,
Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan. Só que existe uma renovação
na música mundial. Ricky Martin
agora entra nos EUA.
Se eu falar com você que não
posso sair na rua na Argentina,
você vai rir da minha cara. Mas é
verdade, cara. A gente não gravou
CD em espanhol por gravar.
Gravou para ir lá trabalhar. A
gente está com o maior produtor
da música latina, o Emílio (Estefan, marido de Gloria). As pessoas
aqui não têm noção do que rola.
É tudo muito mesquinho. O povo não é bobo. A partir do momento em que existe manifestação popular, existe um porquê. As
pessoas têm de respeitar.
Folha - A agenda que artistas
como vocês têm, com tantos
shows e divulgação, atrapalha
iniciativas de maior prestígio?
Alexandre - É bom sedimentar
sua carreira onde você nasceu.
Depois de seis discos gravados
aqui, a gente tomou iniciativa de
fazer um trabalho fora.
Folha - Por qual momento artístico passa o SPC? Ser eclético
para conquistar mais público
aqui ou investir na carreira internacional sem se importar caso a vendagem caia?
Alexandre - Nossa meta é dar
um espaço a mais para a carreira
internacional. Aqui vamos continuar trabalhando, fazendo shows.
O novo disco vai bem, com músicas sendo muito executadas.
Não vamos acomodar, achar
que está tudo bom, seguir a fórmula. Com a gente não é assim...
Folha - Mas, na prática, tantas
viagens fazem baixar o faturamento de shows, não é?
Alexandre - A gente fazia 28
shows por mês e descansava dois
dias. Hoje faz de 15 a 20. A estrutura torna impossível fazer mais
do que isso. São duas carretas, 50
pessoas envolvidas.
Você até se arrisca. Fizemos
dois shows na Argentina e tinha
que fazer em Barretos (SP). Aí
prenderam nosso equipamento
todo. Ficou quase uma semana.
Fizemos o show no interior com
tudo emprestado, foi um estresse,
mas também uma vitória.
Folha - Na sua opinião, a suposta onda do pagode já estaria
passando?
Alexandre - Não acredito nesse
negócio de onda. Quem tem qualidade, trabalho e história vai permanecer aí. Eu não considero o
SPC um grupo de pagode. O pagode, se perguntar para Lecy
Brandão, Almir Guineto e Beth
Carvalho, eles respondem o que é.
Vários grupos que fazem esse
som que o SPC faz não são de pagode. Não estou menosprezando
o pagode. Mas não é. Pagode é Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola
Negra, Fundo de Quintal, violão
de sete cordas, uma mesa, cavaco,
banjo, repique. É um movimento.
As pessoas roubaram o nome e
fizeram uma operação. Eu sei
cantar pagode. Mas o SPC é samba, porque tem pandeiro, surdo,
percussão, cavaquinho. A roupagem é diferente da do pagode.
Folha - Você ainda acha que
todos os grupos como o SPC estão ficando iguais?
Alexandre - Virou uma confusão nos programas de TV. Você
não sabe quem é quem. Parece
Bolsa de Valores. Mas essa coisa
de vestir terno é por acaso.
Tanto é que meu dia-a-dia não é
esse. Outro dia cheguei a uma cidade de chinelo, camiseta e bermuda, comendo milho. O pessoal
da recepção do hotel não acreditava. Pensava que eu fosse chegar
de paletó e gravata.
Folha - Já pintou ciúme no
grupo porque só você aparece?
Alexandre - Cada um sabe seu
lugar, sua função. Eles me respeitam muito e eu não vivo sem eles.
Tudo o que conquistei foi com
eles. Carreira solo não faz nem
parte do meu pensamento.
Folha - Como você lida com invasão à privacidade?
Alexandre - Se eu estou aqui, foi
porque quis. Amo estar aqui, amo
ser assediado, adoro me ver na televisão, ouvir meu disco, dar autógrafos. O dia em que não for reconhecido, vou ficar muito triste.
Show: Só Pra Contrariar
Quando: hoje e amanhã, às 22h30;
domingo, às 21h
Onde: Olympia (r. Clélia, 1.517, tel. 0/xx/
11/3675-3999)
Quanto: de R$ 30 a R$ 60
Patrocinadores: Kaiser e Aster
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