São Paulo, Sexta-feira, 17 de Setembro de 1999
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Contrariar a lógica



Single do SPC com Gloria Estefan atinge 9º lugar na parada da revista "Billboard"; Alexandre Pires quer chegar a inédito 1 milhão no exterior

LUÍS PEREZ
da Reportagem Local

Esta é a história de amigos da rua, da bola de gude, do taco, do futebol. A cidade: Uberlândia (MG). Alguns foram servir o Exército. Outros, trabalhar.
Os pais dos irmãos Alexandre e Fernando não eram mais músicos. Vendiam roupas. Nos finais de semana, faziam um som em casa para distrair os amigos.
Um dos amigos tocava cavaquinho. Ele bebeu demais e esqueceu o instrumento na casa. Alexandre, na época com 14 anos, costumava acompanhar as rodas de samba tocando um balde.
Gostou do cavaquinho. Começou a "arranhar" o instrumento. Reuniu o irmão Fernando -que até então queria ser jogador de futebol-, o primo e outros amigos da rua. Começaram a tocar.
Assim surgiu o Só Pra Contrariar, SPC, grupo que completa dez anos no próximo domingo, dia 19. "Desde o começo, o SPC já era conhecido na cidade. Fazíamos bailes e ganhávamos uma graninha pra comprar pipoca, sanduíche. Tudo começou assim", conta o vocalista e líder do grupo, Alexandre Pires do Nascimento, 23.
Na semana passada, o SPC aparecia em 9º lugar na principal parada de singles dos EUA, a da revista "Billboard" -e como a canção latina que mais posições havia avançado na parada-, com "Santo, Santo", dueto com a cantora Gloria Estefan, uma cubana que se refugiou nos EUA.
Para Alexandre, "é apenas o começo" do que ele espera alcançar neste ano em que o SPC está apostando mais na carreira internacional. "Nosso primeiro disco em espanhol alcançou 500 mil cópias. Até aí já foi um fato inédito."
"Santo, Santo" seria incluída em português no CD brasileiro do grupo, lançado em abril, mas não houve tempo -no próximo mês, uma nova tiragem deve incluir a canção, só que em português.
"A música está estouradíssima na Espanha, na Argentina. Acabei de chegar de Porto Rico, onde a gente recebeu um disco de ouro."
Agora sua idéia é fazer do SPC -que se apresenta de hoje a domingo, no Olympia, em São Paulo- o maior nome da música brasileira no exterior, com 1 milhão de cópias vendidas.
Empresários artísticos dizem que Alexandre nasceu "virado para a lua". Seu primeiro disco vendeu 500 mil cópias. O penúltimo, de 1997, ultrapassou a marca de 3 milhões.
É um êxito que faz com que o mineiro, de fala mansa e leve sotaque, assuma para alguns ares de arrogância. No fundo, ele encara tudo como uma espécie de vitória contra o preconceito.
Lembra ter sido parado duas vezes por blitze da polícia, em São Paulo, segundo ele por ser negro, mesmo após já ter feito sucessos no início da carreira, como "A Barata", "Essa Tal Liberdade" e "Que Se Chama Amor".
"Uma vez o garçom de um restaurante, que não me reconheceu, perguntou se eu era jogador de futebol ou cantor de pagode. Quer dizer que negro não pode ser dentista ou executivo?"
Nesta entrevista, concedida no início da semana, o cantor Alexandre fala sobre as ambições do Só Pra Contrariar.

Folha - Vocês recebem prêmios no exterior e aqui poucos ouvem falar. O que acontece?
Alexandre Pires -
A gente sempre teve uma filosofia de trabalhar em silêncio, pensando em evoluir, crescer. O Só Pra Contrariar hoje é o maior nome da música brasileira fora do país e aqui ninguém fala. Ficamos chateados às vezes.
Existe um respeito muito grande com o trabalho da gente pelos profissionais da imprensa lá fora.
Aqui acho que acontece o famoso preconceito ao samba. Se fosse outro estilo, não seria assim. Não temos mágoa, até porque aqui não precisamos provar nada para ninguém. Precisamos provar lá.
É um trabalho sacrificante. Todo mês estamos visitando um país. Acho que não existe um artista que trabalhe tanto quanto o SPC. É de segunda a segunda.
A MPB é muito respeitada, com astros como Milton Nascimento, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan. Só que existe uma renovação na música mundial. Ricky Martin agora entra nos EUA.
Se eu falar com você que não posso sair na rua na Argentina, você vai rir da minha cara. Mas é verdade, cara. A gente não gravou CD em espanhol por gravar.
Gravou para ir lá trabalhar. A gente está com o maior produtor da música latina, o Emílio (Estefan, marido de Gloria). As pessoas aqui não têm noção do que rola.
É tudo muito mesquinho. O povo não é bobo. A partir do momento em que existe manifestação popular, existe um porquê. As pessoas têm de respeitar.

Folha - A agenda que artistas como vocês têm, com tantos shows e divulgação, atrapalha iniciativas de maior prestígio?
Alexandre -
É bom sedimentar sua carreira onde você nasceu. Depois de seis discos gravados aqui, a gente tomou iniciativa de fazer um trabalho fora.

Folha - Por qual momento artístico passa o SPC? Ser eclético para conquistar mais público aqui ou investir na carreira internacional sem se importar caso a vendagem caia?
Alexandre -
Nossa meta é dar um espaço a mais para a carreira internacional. Aqui vamos continuar trabalhando, fazendo shows. O novo disco vai bem, com músicas sendo muito executadas.
Não vamos acomodar, achar que está tudo bom, seguir a fórmula. Com a gente não é assim...

Folha - Mas, na prática, tantas viagens fazem baixar o faturamento de shows, não é?
Alexandre -
A gente fazia 28 shows por mês e descansava dois dias. Hoje faz de 15 a 20. A estrutura torna impossível fazer mais do que isso. São duas carretas, 50 pessoas envolvidas.
Você até se arrisca. Fizemos dois shows na Argentina e tinha que fazer em Barretos (SP). Aí prenderam nosso equipamento todo. Ficou quase uma semana.
Fizemos o show no interior com tudo emprestado, foi um estresse, mas também uma vitória.

Folha - Na sua opinião, a suposta onda do pagode já estaria passando?
Alexandre -
Não acredito nesse negócio de onda. Quem tem qualidade, trabalho e história vai permanecer aí. Eu não considero o SPC um grupo de pagode. O pagode, se perguntar para Lecy Brandão, Almir Guineto e Beth Carvalho, eles respondem o que é.
Vários grupos que fazem esse som que o SPC faz não são de pagode. Não estou menosprezando o pagode. Mas não é. Pagode é Zeca Pagodinho, Jovelina Pérola Negra, Fundo de Quintal, violão de sete cordas, uma mesa, cavaco, banjo, repique. É um movimento.
As pessoas roubaram o nome e fizeram uma operação. Eu sei cantar pagode. Mas o SPC é samba, porque tem pandeiro, surdo, percussão, cavaquinho. A roupagem é diferente da do pagode.

Folha - Você ainda acha que todos os grupos como o SPC estão ficando iguais?
Alexandre -
Virou uma confusão nos programas de TV. Você não sabe quem é quem. Parece Bolsa de Valores. Mas essa coisa de vestir terno é por acaso.
Tanto é que meu dia-a-dia não é esse. Outro dia cheguei a uma cidade de chinelo, camiseta e bermuda, comendo milho. O pessoal da recepção do hotel não acreditava. Pensava que eu fosse chegar de paletó e gravata.

Folha - Já pintou ciúme no grupo porque só você aparece?
Alexandre -
Cada um sabe seu lugar, sua função. Eles me respeitam muito e eu não vivo sem eles. Tudo o que conquistei foi com eles. Carreira solo não faz nem parte do meu pensamento.

Folha - Como você lida com invasão à privacidade?
Alexandre -
Se eu estou aqui, foi porque quis. Amo estar aqui, amo ser assediado, adoro me ver na televisão, ouvir meu disco, dar autógrafos. O dia em que não for reconhecido, vou ficar muito triste.

Show: Só Pra Contrariar
Quando: hoje e amanhã, às 22h30; domingo, às 21h
Onde: Olympia (r. Clélia, 1.517, tel. 0/xx/ 11/3675-3999)
Quanto: de R$ 30 a R$ 60
Patrocinadores: Kaiser e Aster



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