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ANÁLISE
Noticiários invadem a teledramaturgia
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
Referências documentais a
elementos da vida contemporânea em larga medida estruturam a verossimilhança das novelas de televisão.
Nos últimos anos essa vocação
para comentar elementos polêmicos da conjuntura se radicalizou
em títulos que podem ser considerados de "intervenção".
A atual novela das oito, "Mulheres Apaixonadas" (Globo), ameaçou expandir essa espécie pós-moderna de merchandising para
o âmbito da política, o que é preocupante.
A partir de meados dos anos 90,
novelas de autores diferentes como Glória Perez e Benedito Ruy
Barbosa realizaram um misto de
ação afirmativa e prestação de
serviço.
A novela "Explode Coração"
(Globo, 1995), de Glória Perez, divulgou imagens de crianças desaparecidas, contribuindo para reunir famílias fragmentadas. "O Rei
do Gado" (Globo, 1996), de Barbosa, revelou para o grande público a existência do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais
sem Terra), ajudando a aumentar
seu peso político.
"O Clone" (Globo, 2001), também de Perez, contava com depoimentos de ex-viciados sobre
sua experiência com as drogas.
Merece menção o diálogo "sui
generis", comentado na época
nessa coluna, entre o então senador Darcy Ribeiro e o personagem de Carlos Vereza em "O Rei
do Gado".
Na mesma novela o também senador Eduardo Suplicy (PT-SP) e
a ministra Benedita da Silva atenderam a um convite da produção
para comparecer ao velório do senador da ficção.
Figurantes célebres
"Mulheres Apaixonadas" promoveu e registrou a manifestação
pelo desarmamento no último
domingo no Rio de Janeiro
-com direito a figuração de luxo.
Entre os participantes da passeata estavam os ministros da Justiça e das Comunicações, além do
presidente da Câmara dos Deputados e de diversos membros do
governo.
Declarações desses figurantes
célebres foram exibidas no noticiário de domingo, mas estiveram
ausentes do anunciado capítulo
de segunda.
Apesar do alarde, a cobertura da
passeata na novela acabou reduzida a um clipe final, ao som do Hino Nacional, com imagens de diversas "alas": do colégio da ficção
aos policiais da notícia, que se colocaram também como vítimas
da violência.
As incursões da dramaturgia
pelo terreno do noticiário em geral repercutem. O "Jornal Nacional" e o "Fantástico" divulgam
desenlaces de tramas secundárias
geradas por novelas na vida privada de cidadãos não-personagens.
Jornais diários noticiam.
As "causas" são nobres e elevam
os índices de audiência. Mas correm o risco de esvaziar a dramaturgia e às vezes, em vez de contribuir para o esclarecimento, despolitizam.
Uma ação de marketing como a
que se delineou chamaria a atenção para a interação folclórica entre personagens e políticos, ao invés de denunciar as pressões da
indústria de armas contra a aprovação do Estatuto do Desarmamento, assunto que não merece
um segundo plano.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
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