São Paulo, sexta-feira, 17 de setembro de 2004

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"REI ARTHUR"

Antoine Fuqua recria habilmente o mito medieval como se fosse um bangue-bangue de Sam Peckinpah

Távola Redonda ganha "armadura" western

CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Estamos no tempo da Távola Redonda. Roma domina o território britânico. Arthur é um guerreiro virtuose, escravizado desde a infância pelos romanos. Com seus cavaleiros, defende o poder do Império em uma zona militarizada e complexa, espécie de Iraque insular.
Talvez seja interessante entender o filme, a princípio, no paralelo entre personagem principal e diretor. Pois é a história do servo (Arthur) que goza de grande reputação perante seus senhores. É o capataz talentoso, convocado para uma última missão "romana", serviço delicado: resgatar um futuro sacerdote romano, pois os saxões, carniceiros, avançam. Arthur aceita, a fim de selar sua carta de alforria e de seus comparsas.
Quem é esse Arthur? É Fuqua, um dos mais habilidosos diretores "de gênero" de sua geração, prodígio da espada, ou da manipulação com câmera. Roma seria Jerry Bruckheimer, o mega-produtor do filme.
Fuqua já havia feito filmes agindo como grande contrabandista. "Dia de Treinamento", por exemplo, é uma jóia sobre fascínio, e decorrente confusão, do discípulo justo diante do mestre diabólico, entidade de sabedoria e truques hipnóticos, reinante em uma Los Angeles mundo-cão. Um deus do inferno, mas de distintivo dourado.Era um filme sobre um conflito religioso, coberto por tecido pesado e bem confeccionado de filme policial.
É mais ou menos o que Fuqua faz no baile de fantasias medieval de Bruckheimer, altera o registro do filme. O que era para ser uma recriação do gênero "Távola Redonda" é convertido em faroeste. Fuqua, assim, é Sam Peckinpah, na coreografia de balés de mutilação e violência. Fica claro, inclusive, na mais genial das seqüências: uma dança tétrica, próxima do surrealismo, realizada em carpete de gelo que quebra e se estilhaça. Será fundamental, no filme, o tema da vocação, e amor, no manejo das armas, aparatos de sobrevivência, mas também de gozo.
Se Fuqua é Peckinpah, os saxões são facínoras infestando e estripando vilas. E Fuqua usa até um certo caráter "nacionalista", que o enredo assumirá, a serviço de sua experiência em mutação de gêneros. Pois forças antagônicas irão se unir para instituir liberdade, ordem e desinfecção (saxões são lixo) naquela terra -uma nova terra, para os bons. E pouca coisa é mais western do que o mito da fundação, a idéia dos pistoleiros párias (os homens de Arthur, que irão se juntar aos woads, inimigos, todos subjugados por Roma) que trabalharão na carpintaria e nos curativos de um lugar que ainda não é lugar; um "deserto", não árido, mas florestal.
E o que mais importará, nessa operação de justiça e fundação unificada, escapa das regulagens de Bruckheimer: "Rei Arthur" é, acima de tudo, um filme sobre a atração pela morte, e sobre a possibilidade da morte como prazer, e imagem, inerente ao viver.


Rei Arthur
King Arthur

   
Direção: Antoine Fuqua
Produção: EUA/Irlanda, 2004
Com: Clive Owen, Keira Knightley
Quando: a partir de hoje nos cines Metrô Santa Cruz 3, Pátio Higienópolis 1 e circuito



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