|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
"REI ARTHUR"
Antoine Fuqua recria habilmente o mito medieval como se fosse um bangue-bangue de Sam Peckinpah
Távola Redonda ganha "armadura" western
CLAUDIO SZYNKIER
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Estamos no tempo da Távola
Redonda. Roma domina o
território britânico. Arthur é um
guerreiro virtuose, escravizado
desde a infância pelos romanos.
Com seus cavaleiros, defende o
poder do Império em uma zona
militarizada e complexa, espécie
de Iraque insular.
Talvez seja interessante entender o filme, a princípio, no paralelo entre personagem principal e
diretor. Pois é a história do servo
(Arthur) que goza de grande reputação perante seus senhores. É
o capataz talentoso, convocado
para uma última missão "romana", serviço delicado: resgatar um
futuro sacerdote romano, pois os
saxões, carniceiros, avançam. Arthur aceita, a fim de selar sua carta
de alforria e de seus comparsas.
Quem é esse Arthur? É Fuqua,
um dos mais habilidosos diretores "de gênero" de sua geração,
prodígio da espada, ou da manipulação com câmera. Roma seria
Jerry Bruckheimer, o mega-produtor do filme.
Fuqua já havia feito filmes agindo como grande contrabandista.
"Dia de Treinamento", por exemplo, é uma jóia sobre fascínio, e
decorrente confusão, do discípulo
justo diante do mestre diabólico,
entidade de sabedoria e truques
hipnóticos, reinante em uma Los
Angeles mundo-cão. Um deus do
inferno, mas de distintivo dourado.Era um filme sobre um conflito religioso, coberto por tecido
pesado e bem confeccionado de
filme policial.
É mais ou menos o que Fuqua
faz no baile de fantasias medieval
de Bruckheimer, altera o registro
do filme. O que era para ser uma
recriação do gênero "Távola Redonda" é convertido em faroeste.
Fuqua, assim, é Sam Peckinpah,
na coreografia de balés de mutilação e violência. Fica claro, inclusive, na mais genial das seqüências:
uma dança tétrica, próxima do
surrealismo, realizada em carpete
de gelo que quebra e se estilhaça.
Será fundamental, no filme, o tema da vocação, e amor, no manejo das armas, aparatos de sobrevivência, mas também de gozo.
Se Fuqua é Peckinpah, os saxões
são facínoras infestando e estripando vilas. E Fuqua usa até um
certo caráter "nacionalista", que o
enredo assumirá, a serviço de sua
experiência em mutação de gêneros. Pois forças antagônicas irão
se unir para instituir liberdade,
ordem e desinfecção (saxões são
lixo) naquela terra -uma nova
terra, para os bons. E pouca coisa
é mais western do que o mito da
fundação, a idéia dos pistoleiros
párias (os homens de Arthur, que
irão se juntar aos woads, inimigos, todos subjugados por Roma)
que trabalharão na carpintaria e
nos curativos de um lugar que
ainda não é lugar; um "deserto",
não árido, mas florestal.
E o que mais importará, nessa
operação de justiça e fundação
unificada, escapa das regulagens
de Bruckheimer: "Rei Arthur" é,
acima de tudo, um filme sobre a
atração pela morte, e sobre a possibilidade da morte como prazer,
e imagem, inerente ao viver.
Rei Arthur
King Arthur
Direção: Antoine Fuqua
Produção: EUA/Irlanda, 2004
Com: Clive Owen, Keira Knightley
Quando: a partir de hoje nos cines Metrô
Santa Cruz 3, Pátio Higienópolis 1 e
circuito
Texto Anterior: Em Teste Próximo Texto: "Voltando para Casa": Maçante e óbvio, filme abusa dos tons melodramáticos e piegas Índice
|