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TOM ZÉ
Artista baiano formula
a "estética do arrastão"
da Reportagem Local
Tom Zé lança, na música e em
textos do encarte de "Com Defeito
de Fabricação", um manifesto e alguns novos conceitos. O disco não
contém faixas, mas "defeitos".
"Aos olhos do Primeiro Mundo,
nós das favelas e periferias do Terceiro Mundo somos andróides
muito mais econômicos que os robôs da Alemanha, do Japão. Mas
temos defeitos de fabricação horrorosos, que são esses que o CD
enumera", procura explicar.
Seria Tom Zé então um andróide
de David Byrne? "Sim, sem dúvida,
essa idéia está contida. Somos menos humanos que eles, uma sub-raça. Alguns defeituosos como eu
chegam a fazer alguma coisa, aí o
perigoso é o cérebro da comunidade crescer. Esses se misturam, são
cooptados, se tornam capatazes do
Primeiro Mundo."
Outro conceito lançado no álbum é o da "plagicombinação".
Para Tom Zé, trata-se de uma coleção de "arrastões".
"Determinadamente, em todas
as músicas eu tinha a preocupação
de tirar alguma coisa de outro lugar. A era do compositor, do autor
acabou. Agora é o plagicombinador", proclama.
Seus "plágios", assumidos e decupados no encarte do CD, contemplam Santo Agostinho, Tchaikovsky, Flaubert, Jorge Luis Borges, poesia concreta, Ernesto Nazareth, Caetano Veloso, Gilberto
Gil, Tom Zé (sim, ele mesmo),
Martinho da Vila.
"Somos um alfabeto de referências. Uso esse alfabeto em pequenas células, como plágios ou citações. Essa é a estética do arrastão,
da bricolagem."
Ele nega que tais elementos consistam numa atualização dos procedimentos neo-antropofágicos
dos tropicalistas, preconizadores
da devoração das influências estrangeiras da moda pelo artista
brasileiro, "subdesenvolvido".
"Não é, de jeito nenhum. Posso
dizer que nunca fui antropofágico.
Meu trabalho não tem nada a ver
com Oswald de Andrade, não tem
influência de Beatles, das coisas
que influenciaram a tropicália."
Ele continua: "Não é antropofagia que pratico, porque na antropofagia o sujeito pega um negócio
que acabou de ver agora e começa
a botar para fora. Não, eu agora
quero naturalmente botar para fora todas as velhas coisas que meu
espírito aprendeu dos 0 aos 8 anos
de idade. Sou "destropicalista'."
Seria o tropicalismo uma maldição, uma sina para ele? "Não, acho
uma coisa adorável. Você nem pode imaginar o Brasil que era antes,
a tristeza... O tropicalismo deu
muita velocidade à configuração
do que o Brasil é hoje. Passaram a
existir MPB e tropicalismo, que era
a traição, o entreguismo, a babaquice nacional. Não foi fácil."
Embora sua atividade tropicalista lhe atraia camadas de consumidores e artistas norte-americanos e
europeus hoje influenciados pelo
movimento, cedo Tom Zé se isolou
daquela vertente, partindo para
experimentalismos mais radicais.
"Em 1978, eu já estava o mesmo
que os inimigos de Stálin, estava
fora das fotografias. Quando aconteciam os aniversários do tropicalismo, eu era cada dia menos chamado. Então eu desapareci."
"Pensava que havia algo errado
com esses trabalhos, que não eram
bons. Não sou tão presunçoso para
querer dizer que eu era a verdade
diante de tudo. Mas fui reouvir "Estudando o Samba' (76), era lindo.
Para mim era tudo tocável, mas me
enganei completamente."
Diz que esteve prestes a desistir
definitivamente da carreira. "Em
1986, quando Byrne estava comprando meu disco no Rio de Janeiro, porque tinha a palavra "samba'
escrita grande na capa, passei por
uma que me tirou da profissão."
Foi por causa de um show na
Praia Grande, para o sindicato dos
bancários. "Ninguém nem sonhava quem era eu. Fui um fracasso.
Quando cheguei em casa, deixei o
choro sair, chamei minha mulher e
disse: "Vamos largar, eu não
aguento mais'."
"Desisti e comecei a procurar um
trabalho em Irará. Ia trabalhar
com meu primo no posto de gasolina dele em Irará. Mas aí soube
que Byrne estava interessado. Liguei para Caetano para perguntar,
ele disse: "Não, Tom Zé, deve ser
Tuzé de Abreu, que ele conhece'.
Mas parei o negócio de ir para Irará, até resolver isso aí."
Era Tom Zé, e mais uma vez o homem civilizado descobriu o Brasil.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
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