São Paulo, segunda-feira, 17 de outubro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

ANÁLISE

Leon deixa à cidade legado difícil de medir

Graças à seleção da Mostra, a história do cinema mundial de autor dos últimos 35 anos passou pelas telas de SP

DANIELA THOMAS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Acho que o Leon é um daqueles caras que estão empurrando o barco de pedra ali no Ibirapuera. O corpo arcado pra frente, uma força imensa, sempre na mesma direção, convicta, reta, teimosa, inteira.
O impacto da sua tenacidade será sentido por muitos anos nessa megalópole que para ele tinha outra dimensão, muito menor que a da sua vontade. Essa vontade de pedra que fez de uma ideia juvenil uma instituição que se confunde com a própria cidade.
Carregando latas pesadíssimas de filmes, Leon enfrentou a burocracia, a ditadura, o preconceito lá fora, a inércia e a preguiça aqui, a má vontade geral e, ano após ano, colocou de pé um festival de extraordinária qualidade.
Porque, além de tudo o mais, tinha um gosto infalível, generoso e uma determinação de ver tudo, de não deixar passar nenhuma joia de algum recôndito do planeta.
Graças à seleção anual da Mostra, a história do cinema mundial de autor dos últimos 35 anos passou pelas telas da cidade. Graças às retrospectivas da Mostra, quase todo o resto do grande cinema passou também. Muitos cineastas de grande talento desceram a Augusta numa noite garoenta, cercados de admiradores.
Pergunto-me se é possível medir o legado do Leon para essa cidade. Difícil.
Para mim, ter privado da amizade de alguém que viveu todos os dias da vida segundo suas convicções mais profundas foi uma honra.
E não é que era um homem fácil, dócil: era bravo, teimoso, obsessivo. Tinha um assunto, no máximo dois: cinema e o Corinthians (acho que esse último mais por causa do Jonas e do Tiago). A vida para ele era uma missão, não era um piquenique. Exigia lealdade e comprometimento.
Ele se desinteressava rápido de qualquer assunto que não fosse aquele ligado aos projetos da hora: o livro que estava editando, o diretor que tinha convidado para a Mostra e ultimamente os filmes que produzia e dirigia. Por outro lado, era carinhoso e generoso com os amigos. Vou sentir muita saudade.
Sorte nossa que o Leon encontrou a Renata, essa mulher inacreditável que, discreta e doce, faz a Mostra acontecer como se fosse a coisa mais fácil do mundo.
O Leon dava notícia das dificuldades, das dimensões... A Renata não. A sua risada sonora empurra aquela turma toda para frente. Aguente firme, Renata. E viva Leon!

DANIELA THOMAS é cenógrafa e cineasta



Texto Anterior: Análise: Cantora é um sopro de turbulência boa no mar calmo e sonolento do pop atual
Próximo Texto: Brasileiros se mostram competitivos em Frankfurt
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.