São Paulo, sábado, 17 de novembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

O verso e o reverso de Sílvio Romero

Projeto lança em 21 volumes toda a obra do escritor em comemoração aos 150 anos de seu nascimento

Folha Imagem
O escritor sergipano Sílvio Romero (1851-1914), que tem sua obra relançada em 21 volumes


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Na teoria, furacões se formam sempre sobre as águas do mar. Pelo menos um deles, porém, escapuliu das convenções da ciência e decidiu nascer no interior agreste do Sergipe. O nome dele era Sílvio Romero e em 2001, quando faria 150 anos, seus esquecidos tufões culturais voltam a soprar nas livrarias brasileiras.
Em projeto de grande fôlego, a editora da Universidade Federal do Sergipe (UFS) e a Imago estão colocando no mercado as obras completas desse precursor dos estudos brasileiros de áreas distintas como a antropologia e a história da literatura nacional.
Não é um redemoinho fácil de amarrar. Romero foi juiz, deputado federal e estadual, professor por três décadas e fundador da Academia Brasileira de Letras; casou três vezes, enviuvou duas e teve 19 filhos. Escreveu também 63 livros, um para cada ano vivido.
Essa enxurrada de textos, que volta às prateleiras sob a forma de 21 volumes, foi marcada pela sua amplitude e intensidade.
"A obra de Sílvio Romero dá uma certa idéia de turbilhão, no sentido próprio e no figurado. Um movimento forte e agitado, que arrasta idéias e paixões, destruindo pelo caminho; um movimento circular que gira incessantemente sobre si mesmo e progride, parecendo permanecer", escreveu Antonio Candido, em introdução a antologia de textos de Romero publicada em 1978.
Talvez ninguém tenha chegado tão perto do olho do furacão como ele. "Foi a leitura crítica de Antonio Candido que apresentou Sílvio Romero à universidade brasileira", diz à Folha o crítico literário João Alexandre Barbosa.
Ele se refere ao estudo "Introdução ao Método Crítico de Sílvio Romero", escrito por Candido em 1945 para o concurso de livre-docência da USP. Na tese, mostrava como Romero havia sido o primeiro a apontar que a literatura brasileira podia e devia ser estudada do ângulo da sociedade e da história. Também apresentava os outros lados da moeda, como a fragilidade do pensador sergipano como crítico literário.
"Como sugestão teórica e crítica para o presente, Sílvio Romero não tem muito mais o que falar", diz Candido à Folha.
A obra romeriana teria hoje interesses históricos. "Precisamos não esquecer que Romero foi o homem que introduziu a teoria da mestiçagem. Ele foi o primeiro a dizer que todo brasileiro é mestiço, se não fisicamente, culturalmente. Essa contribuição dele é fundamental."
O crítico também aponta o valor dos estudos de cultura popular do autor de livros como "Contos Populares do Brasil", um dos poucos títulos romerianos que estava disponível nas livrarias antes do relançamento que vem sendo operado pela parceria da Imago com a UFS. "Romero foi o primeiro grande estudioso do folclore brasileiro", opina Candido.
Além do estudo das manifestações populares brasileiras, o outro trabalho com maior projeção, e também a obra mais elogiada dele, é sua "História da Literatura Brasileira", de 1888, que foi republicado nas "Obras Completas".
Gilberto Freyre, entusiasta do trabalho de Romero, costumava comparar o trabalho a um forte e a um templo. "É um desses livros que protegem o povo contra a agressão e contra o desânimo, como se fossem fortalezas e, ao mesmo tempo, igrejas", escreveu. Mas as concepções literárias de Romero destruíam, ou tentaram, templos da criação brasileira.
São famosos os seus ataques constantes à obra de Machado de Assis. "O livro de Romero sobre Machado chega até a ser engraçado. É pavoroso de tão ruim", brinca João Alexandre Barbosa. O crítico diz que se interessa até mesmo pelos tropeços do polemista sergipano. "Os erros dele às vezes conduzem a acertos", opina.
A explicação disso estaria também na característica do autor de produzir contradições. No seu texto mais recente sobre Romero, Candido explica que suas idéias "não se propunham como desenvolvimento linear, mas como vaivém, tensão de opostos, visão simultânea do verso e do reverso".
Segundo Candido, a crítica, para Romero, era não só análise e revisão dos valores da cultura, mas uma força negativa. A construção vinha junto à destruição.
"Essa dualidade indissolúvel dá certo cunho revolucionário ao seu pensamento, mesmo quando surgem pela frente as antinomias conservadoras, que também compunham o movimento de ir-e-vir do seu turbilhão."
"Sílvio foi um polemista, brigou à vontade. Brigou tanto que escreveu um livro chamado "Minhas Contradições". Não tinha mais com quem brigar, brigou com ele mesmo", se diverte Barbosa.
Mas, diferentemente do que aponta o título desse livro, Romero não assumia ser contraditório. Dizia que "contradição supõe o choque de dois pensamentos contraditórios num mesmo tempo". Os conflitos vistos em seu pensamento não seriam simultâneos. Sua obra deveria ser lida em ordem cronológica. Agora será possível dar essa chance a Romero.



Texto Anterior: Programação de TV
Próximo Texto: Jornalista organiza obras completas
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.