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LIVROS/LANÇAMENTOS
"A DUPLA NOITE DAS TÍLIAS"
Relatos do italiano retratam Berlim pós-guerra
Carlo Levi lança olhar sem razão sobre o nazismo
MAURÍCIO SANTANA DIAS
DA REDAÇÃO
Visitar a Alemanha do pós-guerra, quando as cidades
estavam sendo reconstruídas e os
"Lager" ainda exalavam um cheiro fresco de morte, não era tarefa
simples para ninguém. Muito menos para um judeu que sofreu em
seu próprio país um período de
confinamento nos anos de Mussolini e, a partir dessa experiência,
escreveu o romance italiano talvez mais representativo dos anos
40, "Cristo Si È Fermato a Eboli"
(Cristo Parou em Eboli).
Em 1958, Carlo Levi (1902-75),
médico, pintor e um dos escritores mais relevantes de sua geração, decide fazer sua primeira viagem ao "país do Norte" e descrever, como fizera em romances-reportagens anteriores, o que visse
por lá. "Vamos àquelas cidades
povoadas e ordenadas, entre
aquela multidão desconhecida e
familiar, leves e abertos, com nossos olhos de hoje, e contemos
simplesmente aquele pouco que
nos foi dado ver e encontrar, sem
a pretensão de dizer nada além de
algumas palavras das mil coisas
que podem ser descobertas e narradas", diz ele na apresentação
deste "A Dupla Noite das Tílias".
Apesar da declarada intenção
de contar simplesmente o que viu,
Levi é movido por um duplo propósito: fazer crônica visual das
coisas cotidianas e inferir a mecânica oculta dos fatos. A tentativa
de desvendar o fenômeno do nazismo é o que de fato conduz o livro, feito de instantâneos líricos.
Ao chegar a Munique, sua primeira escala, o viajante encontra
cidadãos educados, levando uma
vida confortável e banal. O relato
prossegue com vivacidade, desdobrando-se em descrições de
personagens e de ambientes sobretudo noturnos -já que Levi,
como bom boêmio que era, apreciava mais a noite que a manhã.
Também não faltam analogias inteligentes entre pintura e história
ou considerações sobre o teatro
de Brecht etc.
O problema é que, nesse livro
aparentemente despretensioso,
Levi acaba caindo na armadilha
onde tantos que tentaram "explicar" a Alemanha nazista ficaram
presos. "Onde estão, nesta burguesia satisfeita e educada, os
monstros da pintura e da sátira?",
pergunta-se ele. O que se vê em
seguida são retratos em claro-escuro sugerindo que a anomalia
alemã, tão generosa de "gênios" e
"monstros", teria sido produzida
por um choque de contrários: de
um lado, o racionalismo olímpico
de Goethe, de outro, a irracionalidade dos SS; o rio Reno correndo
para leste, e o Danúbio, para oeste; de dia, mulheres e homens pacatos no trabalho, de noite, bêbados solitários nas cervejarias.
O corolário ou conclusão moral
desses pares de opostos já estava
na introdução: "Vítimas e algozes
possuem (...) o mesmo rosto e o
mesmo destino, como num filme
de Chaplin". E, com o ar complacente, o autor arremata sua reflexão misturando pensamento dialético e caridade cristã: "Contudo
pode brotar um novo momento
humano mesmo do desumano".
As melhores partes do livro não
são essas, de pregação, mas aquelas em que Levi suspende o pendor ensaístico e descreve sem floreios as cenas e a gente que vê. Como quando vai a Dachau: "São as
câmaras de gás. Nuas no cimento,
com os furos da morte no teto. De
lado, os fornos. Os dois fornos de
tijolos que parecem extraordinariamente modestos e elementares
para a sua tarefa".
Aqui Carlo Levi se aproxima de
outro italiano ilustre, seu homônimo Primo Levi (1918-1987), que
esteve preso em Auschwitz e deixou em várias obras ("É Isto um
Homem?", "Afogados e Sobreviventes", "A Trégua") o testemunho terrível sobre o Holocausto.
Ou seja, a atmosfera densa e
fantasmagórica de "A Dupla Noite das Tílias" de fato ganha mais
força quanto menos seu autor se
aventura a fazer deduções ou artigo de fé no futuro. Como já se viu,
a tentativa de compreender a lógica da barbárie costuma resvalar
ou na invectiva inócua ou na atitude benevolente que, no limite,
busca justificar o injustificável.
Mas é que talvez a Alemanha de
58, dividida na "dupla noite" da
Guerra Fria, não pudesse ser vista
de frente como queria o pintor.
A Dupla Noite das Tílias
La Doppia Notte dei Tigli
Autor: Carlo Levi
Tradução: Liliana Laganá
Editora: Berlendis & Vertecchia
Quanto: R$ 24 (140 págs.)
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