|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/pop-rock
No primeiro disco solo, Jarvis Cocker retorna pessimista
BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL
Há perdedores de todas
as espécies no mundo
da música, de deprimidos crônicos a malsucedidos
no amor, no trabalho, na vida,
enfim. Mas poucos como o inglês Jarvis Cocker, que retorna
com seu primeiro disco solo,
"Jarvis". Isso porque o ex-vocalista do Pulp faz parte de um seleto time de sofredores em
grande estilo, da mesma linha
de gente como Morrissey, Renato Russo e Roy Orbison.
À frente do Pulp, fez história
com suas letras confessionais,
românticas e auto-irônicas,
tornando-se de longe o melhor
letrista do britpop dos anos 90.
Fez história ainda quando
tentou chutar o traseiro de Michael Jackson durante o Brit
Awards e se mostrou um loser
bem-sucedido quando o Pulp
finalmente estourou, em 1995,
após quase duas décadas no
limbo -os principais discos da
banda ganharam reedições luxuosas recentemente no exterior. Em entrevistas, à época,
disse que a vida era como um
filme, com momentos difíceis
no meio e um final feliz.
Mas, como a vida não é filme,
Jarvis continuou seu caminho,
nem tão feliz. Em 2001, lançou
o chato "We Love Life", na linha "vamos abraçar as árvores", e, no ano seguinte, a banda
resolveu "dar um tempo".
Casou, teve filho, perdeu a
paciência com a política britânica, mudou-se para Paris,
montou o hedonista duo de
electro Relaxed Muscle -em
que se apresentava com uma
fantasia de esqueleto-, liderou
uma banda em "Harry Potter e
o Cálice de Fogo", compôs para
Nancy Sinatra e Marianne
Faithfull e viu um "greatest
hits" do Pulp fracassar nas paradas inglesas, não necessariamente nessa ordem. Uma vez
loser, sempre loser parece ser
sua sina.
Ranheta
É nessa linha que segue seu
disco. Nas letras, seu principal
trunfo, o cantor está mais
amargo e ranheta, descrente de
que as coisas irão terminar
bem. É tão pessimista quanto o
disco mais sombrio do Pulp,
"This Is Hardcore" (1998), mas
musicalmente mais ameno.
O humor de Jarvis reflete-se
no tom épico das canções, a
maioria baladas, em que chega
perto do brilhantismo, grande
parte pelo excelente trabalho
do guitarrista Richard Hawley,
como em "Tonite", "Don't Let
Him Waste Your Time" e
"Baby's Coming Back to Me"
-essas duas últimas compostas para Nancy Sinatra.
Típico representante da classe trabalhadora inglesa, o cantor resolveu virar punk depois
de quarentão. Na roqueira "Fat
Children", fala sobre crianças
gordas que tiraram a vida dele,
e na faixa escondida "Running
the World", inspirada em reunião do G8, não usa meios-termos no refrão ("Cunts are running the world"; numa tradução leve: "filhos-da-mãe estão
dominando o mundo") e se
mostra nada esperançoso: "Use
seus direitos para protestar nas
ruas, mas não espere ser ouvido". O grande cronista do pop
britânico está descrente, mas
inspirado. Que seja ouvido.
JARVIS
Artista: Jarvis Cocker
Lançamento: Rough Trade
Quanto: 8,99 libras (R$ 37, sem
taxas), no www.amazon.co.uk (importado)
Texto Anterior: Álbuns trazem a velha bossa nova Próximo Texto: Última Moda - Alcino Leite Neto: Estilo infernal Índice
|