São Paulo, sexta-feira, 17 de novembro de 2006

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Crítica/pop-rock

No primeiro disco solo, Jarvis Cocker retorna pessimista

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REPORTAGEM LOCAL

Há perdedores de todas as espécies no mundo da música, de deprimidos crônicos a malsucedidos no amor, no trabalho, na vida, enfim. Mas poucos como o inglês Jarvis Cocker, que retorna com seu primeiro disco solo, "Jarvis". Isso porque o ex-vocalista do Pulp faz parte de um seleto time de sofredores em grande estilo, da mesma linha de gente como Morrissey, Renato Russo e Roy Orbison.
À frente do Pulp, fez história com suas letras confessionais, românticas e auto-irônicas, tornando-se de longe o melhor letrista do britpop dos anos 90.
Fez história ainda quando tentou chutar o traseiro de Michael Jackson durante o Brit Awards e se mostrou um loser bem-sucedido quando o Pulp finalmente estourou, em 1995, após quase duas décadas no limbo -os principais discos da banda ganharam reedições luxuosas recentemente no exterior. Em entrevistas, à época, disse que a vida era como um filme, com momentos difíceis no meio e um final feliz.
Mas, como a vida não é filme, Jarvis continuou seu caminho, nem tão feliz. Em 2001, lançou o chato "We Love Life", na linha "vamos abraçar as árvores", e, no ano seguinte, a banda resolveu "dar um tempo".
Casou, teve filho, perdeu a paciência com a política britânica, mudou-se para Paris, montou o hedonista duo de electro Relaxed Muscle -em que se apresentava com uma fantasia de esqueleto-, liderou uma banda em "Harry Potter e o Cálice de Fogo", compôs para Nancy Sinatra e Marianne Faithfull e viu um "greatest hits" do Pulp fracassar nas paradas inglesas, não necessariamente nessa ordem. Uma vez loser, sempre loser parece ser sua sina.

Ranheta
É nessa linha que segue seu disco. Nas letras, seu principal trunfo, o cantor está mais amargo e ranheta, descrente de que as coisas irão terminar bem. É tão pessimista quanto o disco mais sombrio do Pulp, "This Is Hardcore" (1998), mas musicalmente mais ameno.
O humor de Jarvis reflete-se no tom épico das canções, a maioria baladas, em que chega perto do brilhantismo, grande parte pelo excelente trabalho do guitarrista Richard Hawley, como em "Tonite", "Don't Let Him Waste Your Time" e "Baby's Coming Back to Me" -essas duas últimas compostas para Nancy Sinatra.
Típico representante da classe trabalhadora inglesa, o cantor resolveu virar punk depois de quarentão. Na roqueira "Fat Children", fala sobre crianças gordas que tiraram a vida dele, e na faixa escondida "Running the World", inspirada em reunião do G8, não usa meios-termos no refrão ("Cunts are running the world"; numa tradução leve: "filhos-da-mãe estão dominando o mundo") e se mostra nada esperançoso: "Use seus direitos para protestar nas ruas, mas não espere ser ouvido". O grande cronista do pop britânico está descrente, mas inspirado. Que seja ouvido.


JARVIS    
Artista: Jarvis Cocker
Lançamento: Rough Trade
Quanto: 8,99 libras (R$ 37, sem taxas), no www.amazon.co.uk (importado)


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