São Paulo, Sexta-feira, 17 de Dezembro de 1999


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MÚSICA ERUDITA
Maestro se considera traído
Medaglia é demitido da Amazonas Filarmônica

IRINEU FRANCO PERPETUO
especial para a Folha

Em meio a tiroteio verbal e "diz-que-diz", o maestro Júlio Medaglia, 61, foi demitido da orquestra que ele mesmo criou, a Amazonas Filarmônica, sediada em Manaus.
Acusado de se ausentar longamente da capital amazonense e de assumir compromissos acima das possibilidades financeiras da filarmônica, o regente se diz "traído" pelo governador do Amazonas, Amazonino Mendes, e cita o secretário de Estado da Cultura e Turismo, Robério Braga, como responsável por sua exoneração.
"Ele montou uma rede de intrigas e fez campanha contra mim", afirma. "Agora, só me resta pegar minha indenização e abrir um processo por danos morais."
Braga, por seu turno, nega qualquer envolvimento com o caso. "O governo só apóia financeiramente a orquestra, mas não tem ingerência administrativa", diz. "Não tenho nenhuma participação nisso e não saberia nem o que lhe informar a respeito."
Fundada no final de 97, como corpo vinculado ao governo do Estado, a orquestra é hoje administrada pela Associação Cultural Amazonas Filarmônica, uma entidade de direito privado. Seus recursos, contudo, são oriundos eminentemente do Estado.
De acordo com Medaglia -um dos artífices de sua criação-, os problemas começaram justamente quando a associação começou a funcionar. "Braga nunca topou a autonomia. O teatro Amazonas (que sedia a filarmônica) não dava datas para a orquestra, e até os copos de água dos músicos foram tirados dos ensaios."
"O secretário estava até programando a orquestra", diz, referindo-se ao fato de, no mês de dezembro, terem sido convidados para reger a Amazonas Filarmônica os maestros João Maurício Galindo e Luiz Fernando Malheiro.
Negando qualquer influência de Braga na programação da orquestra, a associação demitiu Medaglia no dia 6 deste mês.
Dia 9, distribuiu uma nota de esclarecimento, na qual chama o regente de "rebelde" e afirma lamentar "o comportamento contumaz de suas ausências prolongadas, sistematicamente não comunicadas".
Mário Sussman, diretor-executivo da associação, afirma não ter havido interferência do secretário na demissão de Medaglia, e cita como motivo para sua saída, além das ausências sem aviso, o fato de o regente "assumir compromissos fora do orçamento da orquestra, que não tinha condições de pagar por eles".
"Em um ano e meio, a despesa fixa da filarmônica saltou de R$ 127 mil para R$ 300 mil", conta. "Conseguimos rebaixar para R$ 200 mil, mas, em alguns concertos, tanto eu quanto o tesoureiro da associação, Moisés Israel, tivemos de pagar os solistas com dinheiro do próprio bolso."
Medaglia (cujo último concerto com a filarmônica foi a "Sinfonia Nº 9", de Beethoven, em 17 de novembro) rebate as críticas: "Nas minhas viagens, a orquestra nunca ficava descoberta, sempre havia um regente assistente ou convidado. E, quanto a falarem que eu gasto muito, eu nunca assinei um cheque pela orquestra".
Sussman afirma ter "carinho" pelo regente, reconhecer seu "mérito artístico" e "lamentar" sua saída.
"Infelizmente, a coisa tomou um caminho passional", diz. "O maestro acabou forçando sua dispensa ao assumir uma atitude de rebeldia aberta, dizendo que não ia acatar ordens."
Anteontem à noite, em concerto no teatro Amazonas, estreou à frente da orquestra o jovem maestro paulista Marcello Stasi, que ocupava o cargo de assistente de Medaglia e, agora, tem a incumbência de substituí-lo.
O fundador da Amazonas Filarmônica elogia seu substituto, que diz ter "cabeça boa". Cauteloso, Stasi prefere não adiantar seus planos para a orquestra, dizendo estar à espera de decisões a serem tomadas em conjunto com a diretoria da Associação.
"Vamos agir a partir da programação feita pelo Stasi", afirma Sussman. "Medaglia trabalhava sem programação, o que atrapalhava bastante a gestão da orquestra."
A Amazonas Filarmônica tem um nível artístico surpreendente, que a coloca entre as três melhores do Brasil.
Provenientes, na sua quase totalidade, do Leste Europeu, seus 62 integrantes recebem um salário médio de R$ 2.800.


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