São Paulo, segunda-feira, 17 de dezembro de 2001

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CINEMA

O conto tonto da duende doente

MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO

Os diretores de "Xuxa e os Duendes", Paulo Sergio Almeida e Rogério Gomes, não são autores. São técnicos. O filme deles é um veículo para que uma celebridade fature.
Fature e se expresse, já que, como escreveu Freud, ninguém consegue esconder o que é. "Xuxa e os Duendes" é a expressão de uma mulher gasta, triste, solitária, infantilizada, sem identidade, esquizofrênica, antifamília, insensível, mágica e materialista.
Gasta. Xuxa está envelhecendo mal. Aos 38, seu rosto voltou ao que era antes das plásticas e retoques de botox. Tem a sem-gracice de uma macilenta camponesa alemã. Está bochechuda como em "Amor, Estranho Amor", de Walter Hugo Khouri, em que aparecia belamente nua para seduzir e fazer amor com um baixinho. Agora não mostra nem o joelho.
Triste. Ela passa o filme apreensiva, como se estivesse constipada. Quase não sorri. Não demonstra alegria ou vibração. Até os olhos fulgurantes estão embaçados, mormacentos.
Solitária. Sua personagem, Kira, mora sozinha. Raramente sai de uma estufa, de aparência uterina, onde conversa com plantas. Autoritária como um coronel da SS, trata seus dois criados como coisas. Não tem namorado.
Infantilizada. Sua única amiga no filme é uma menina de menos de dez anos, com quem brinca de roda. Os adultos lhe deixam gélida. Não tem com eles nenhum laço afetivo. Desconhece o que seja o amor físico. Tem a estatura psíquica de um gnomo.
Neurótica. Kira não sabe de onde veio. Não lembra de seus pais nem da sua meninice. A bancada vienense bem sabe o que isso significa: neurose da brava. Algum trauma na primeira infância de Kira-Xuxa provocou a repressão, o esquecimento do passado, a não-identidade no presente. Ela compensa o vazio interior trocando de roupa a cada minuto.
Esquizofrênica. Essa mulher triste descobre no fim de "Xuxa e os Duendes" que não é mulher. Ela não pertence à espécie humana. É uma duende. Veio das profundezas da terra com a vaga missão de proteger a natureza. Adotou a conduta humana, mas sempre sentiu-se estranha, outra, entre homens e mulheres: uma personalidade partida, dupla.
Contra a família. No final do filme ela tem de escolher: voltar com o pai e a mãe para o reino dos duendes ou ficar na terra. Kira-Xuxa repudia sua gente e família para ficar no Brasil onde, repita-se, só tem como amiga uma menina com 30 anos menos que ela.
Insensível. A trama de "Xuxa e os Duendes" (que seria chatíssimo resumir) é deflagrada pela demissão de um cidadão de classe média. Para fazer frente às dificuldades econômicas, ele é obrigado a vender a casa a uma empresa. Xuxa se empenha e consegue reverter a venda. Pouco se importa com o destino do trabalhador, que termina o filme desempregado e sem ter quem o ampare.
Mágica materialista. Xuxa repete duas vezes que é preciso "acreditar na natureza e na magia". Só que Kira não crê na natureza. Tanto que abandona sua real natureza, a de duende, para ficar na terra. Nisso ela mimetiza Xuxa, que abandonou a natureza humana para se tornar uma mercadoria. Já o apelo à crença na magia tem razão de ser: a mercadoria Xuxa opera a mágica de transformar o conto tonto da duende doente num tesouro milionário.


Xuxa e os Duendes
  Direção: Paulo Sérgio de Almeida e Rogério Gomes Produção: Brasil, 2001 Com: Xuxa, Guilherme Karan




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