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CINEMA
O conto tonto da duende doente
MARIO SERGIO CONTI
DA SUCURSAL DO RIO
Os diretores de "Xuxa e os
Duendes", Paulo Sergio Almeida e Rogério Gomes, não são
autores. São técnicos. O filme deles é um veículo para que uma celebridade fature.
Fature e se expresse, já que, como escreveu Freud, ninguém
consegue esconder o que é. "Xuxa
e os Duendes" é a expressão de
uma mulher gasta, triste, solitária,
infantilizada, sem identidade, esquizofrênica, antifamília, insensível, mágica e materialista.
Gasta. Xuxa está envelhecendo
mal. Aos 38, seu rosto voltou ao
que era antes das plásticas e retoques de botox. Tem a sem-gracice
de uma macilenta camponesa alemã. Está bochechuda como em
"Amor, Estranho Amor", de Walter Hugo Khouri, em que aparecia
belamente nua para seduzir e fazer amor com um baixinho. Agora não mostra nem o joelho.
Triste. Ela passa o filme apreensiva, como se estivesse constipada. Quase não sorri. Não demonstra alegria ou vibração. Até os
olhos fulgurantes estão embaçados, mormacentos.
Solitária. Sua personagem, Kira,
mora sozinha. Raramente sai de
uma estufa, de aparência uterina,
onde conversa com plantas. Autoritária como um coronel da SS,
trata seus dois criados como coisas. Não tem namorado.
Infantilizada. Sua única amiga
no filme é uma menina de menos
de dez anos, com quem brinca de
roda. Os adultos lhe deixam gélida. Não tem com eles nenhum laço afetivo. Desconhece o que seja
o amor físico. Tem a estatura psíquica de um gnomo.
Neurótica. Kira não sabe de onde veio. Não lembra de seus pais
nem da sua meninice. A bancada
vienense bem sabe o que isso significa: neurose da brava. Algum
trauma na primeira infância de
Kira-Xuxa provocou a repressão,
o esquecimento do passado, a
não-identidade no presente. Ela
compensa o vazio interior trocando de roupa a cada minuto.
Esquizofrênica. Essa mulher
triste descobre no fim de "Xuxa e
os Duendes" que não é mulher.
Ela não pertence à espécie humana. É uma duende. Veio das profundezas da terra com a vaga missão de proteger a natureza. Adotou a conduta humana, mas sempre sentiu-se estranha, outra, entre homens e mulheres: uma personalidade partida, dupla.
Contra a família. No final do filme ela tem de escolher: voltar
com o pai e a mãe para o reino dos
duendes ou ficar na terra. Kira-Xuxa repudia sua gente e família
para ficar no Brasil onde, repita-se, só tem como amiga uma menina com 30 anos menos que ela.
Insensível. A trama de "Xuxa e
os Duendes" (que seria chatíssimo resumir) é deflagrada pela demissão de um cidadão de classe
média. Para fazer frente às dificuldades econômicas, ele é obrigado
a vender a casa a uma empresa.
Xuxa se empenha e consegue reverter a venda. Pouco se importa
com o destino do trabalhador,
que termina o filme desempregado e sem ter quem o ampare.
Mágica materialista. Xuxa repete duas vezes que é preciso "acreditar na natureza e na magia". Só
que Kira não crê na natureza.
Tanto que abandona sua real natureza, a de duende, para ficar na
terra. Nisso ela mimetiza Xuxa,
que abandonou a natureza humana para se tornar uma mercadoria. Já o apelo à crença na magia
tem razão de ser: a mercadoria
Xuxa opera a mágica de transformar o conto tonto da duende
doente num tesouro milionário.
Xuxa e os Duendes
Direção: Paulo Sérgio de Almeida e Rogério Gomes
Produção: Brasil, 2001
Com: Xuxa, Guilherme Karan
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