São Paulo, segunda-feira, 17 de dezembro de 2001

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CRÍTICA
Nostalgia pelo Nordeste rende o melhor do CD

DO ENVIADO AO RIO

Há muitos Djavans dentro de "Milagreiro". Ele não é artista de fechar o foco num enfoque específico, e disso continuam ficando depositados, juntos, seus trunfos e cacoetes.
Entre os trunfos do novo disco, o principal é provavelmente o desejo atávico de mergulhá-lo nas águas quentes e nas areias fofas de Alagoas. Esse naco de "Milagreiro" traz Djavan de volta aos odores de "Alegre Menina" (75), de "Flor de Lis" (76), de "Lambada de Serpente" (80).
"Farinha" soa a princípio desarrumada, até pelo louvor trava-língua à "planta da família das euforbiáceas" -mas vence no arranjo bem nordestino, saudosista. A faixa-título, mais adiante, consuma esse momento do CD, não só pelo tema íntimo como pelo duelo vocal travado entre Djavan e Cássia Eller, com ápice no falsete do cantor muitas vezes esganiçado.
A faixa exibe também o outro trunfo: o abandono de letras feitas de imagens soltas em prol de historietas, de pequenos comentários sobre a vida. A historieta mais pungente é a de "Milagreiro".
No lado dos cacoetes, há, mais que nada, a diluição. Quando cada faixa aponta para uma direção diferente, as de diretrizes mais banais acabam arriscando ofuscar os achados. Climas entre jazzísticos e arrastados ("Om", "Meu", até "Além de Amar") podem diluir o lirismo de composições como "Ladeirinha", por exemplo, que demora várias audições para se fazer notar entre suas vizinhas.
Do mesmo modo, brincadeiras com gírias e modismos se espelham entre "Meu" e "Lugar Comum", e cacoetes de uma beliscam trunfos de outra. Entre as duas, espreme-se "Infinitude", a única realmente moderna, seja no arranjo espevitado, seja na letra de sua filha Flávia Virgínia, quase um pedido para que se renovem os modos de pensar e fazer.
No balanço, Djavan se exprime como artista que devagarinho vai ficando antigo, mas sem deixar de se entusiasmar pelos tais novos modos. A saudade de Alagoas, belo veio, deve estar rugindo de leve, atocaiada entre o velho e o novo.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)


Milagreiro
  
Artista: Djavan Lançamento: Sony Quanto: R$ 25, em média




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